Sobre uma tática da guerra híbrida

Túlio Ceci Villaça
4 min readFeb 15, 2019

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O linchamento virtual de Nilson Papinho e a criação de um site falso da Aos Fatos são acontecimentos recentes muito úteis para entender melhor como se dá o processo de manipulação da informação nas redes sociais que elegeu o governo atual, e como este sistema continua em plena atividade e se desdobrando ainda em novas táticas ainda mais sutis e eficientes de propagar mentiras em massa. Não soube de nenhuma delas? Pois isto talvez seja o mais preocupante. Vejamos.

A agência Aos Fatos é independente e já foi chamada pelo MBL, um dos grandes propagadores de fake news, de esquerdista, o que é sinal que incomoda. Seu site é .org, mas foi criado um site .com que a imita, e se dedica a divulgar notícias falsas. Além disso, este mesmo site é ligado a pelo menos outros dez também dedicados à mesma coisa. Todos eles usam a mesma ID no Google Analytics, que serve para auferir a frequência no site, e inclusive ganhar dinheiro. Uns se dedicam a replicar os outros, criando, pela quantidade, a impressão de verdade no que afirmam. E afirmam basicamente calúnias e difamações contra pessoas e personalidades de esquerda.

Isto é pouca novidade, foi usado massivamente nas eleições. Mas a criação de uma agência de checagem pirata é uma inovação interessante, ao chamar para si sua autoridade e tentar solapar justamente quem tem mais condições de os denunciar. Mas vejamos agora, para somar as informações adiante, o caso do Nilson Papinho, um senhor que fez vídeos no YouTube tentando fazer massa de modelar caseira. Depois de inúmeras tentativas frustradas, ele finalmente conseguiu, e o vídeo do seu sucesso e da sua alegria genuína viralizou. E então começou seu inferno, pois viralizou em seguida uma acusação de pedofilia contra ele.

E como esta se deu? Da forma acima, com uma pequena variação. Não com os mesmos sites, mas com perfis criados para isto — ou criados tempos antes para ações como esta, e reativados toda vez que é preciso. Perfis que se passam por feministas, de esquerda, começaram os boatos contra ele, que acabaram sendo replicados por perfis reais que se deixaram enganar. E então, quando o fogo se alastrou, os perfis originais, que haviam começado a boataria, sumiram, e em seu lugar apareceram perfis de direita acusando a esquerda de difamar um pobre velhinho!

Toda esta movimentação foi rastreada, mas os requintes dela impressionam. Criaram um perfil falso do Nilson no Twitter que enganou quase todos — e que logo começou a seguir páginas de direita e do próprio Bolsonaro, induzindo as pessoas de esquerda contra o suposto dono. Também foi criada uma conta falsa de uma sobrinha que o defendia, mas de forma enviesada, como que confessando que ele teria mesmo tendências pedófilas. Um negócio muito bem calculado, que demorou para ser destrinchado. Até lá, pessoas honestas ficaram furiosas com ele e pediram sua prisão.

Agora juntemos estas duas notícias, e mais a informação de que, entre os sites criadores de fake news acima, que compartilham a mesma conta do Google Analytics, um deles, só um, era… contra o Bolsonaro, e criava mentiras contra ele. Adivinhem se estas mentiras não seriam desmentidas logo adiante e serviriam de munição contra esta esquerda caluniadora. Repetindo a mesma tática de acusar o adversário do que se faz, mas fazendo por ele para acusá-lo melhor — quem sabe com a ajuda de uma agência de notícias...

Agora, porque raio resolveram atacar o pobre do Nilson? Ele não é de esquerda nem direita, não tinha nada a ver com política, estava só passando. O motivo é simples: fizeram-no de balão de ensaio. Estavam afiando as garras, treinando a tática. Ela pode ser replicada em grande escala em assuntos mais relevantes, e com o uso dos sites apócrifos, pois ficou claro que a ação é factível. Ainda precisa de ajustes, pois acabou desvendada — e o site fake de Aos Fatos foi descoberto pela Agência, denunciado e tirado do ar. Mas é preciso ficar atento, porque é por meio destas estratégias que o fascismo tem conseguido manter o controle da informação, ou da falta dela. É fundamental entender o que está acontecendo no terreno da comunicação, para não cair nestas armadilhas e denunciá-las. Pode parecer incrível, mas este é o terreno onde está se decidindo o destino do país.

A propósito, as matérias do The Intercept, Meteoro Brasil e Aos Fatos sobre os assuntos, para quem quiser entender ainda melhor.

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Túlio Ceci Villaça
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