Sobre uma futura decepção
Prezades, vou ser portador de uma má notícia láááá na frente, mas que acho realmente ser necessário falar desde já: o governo de esquerda que vai se iniciar em 2023 será uma decepção.
Chamei sua atenção: então agora explico. Evidentemente, é totalmente necessário e urgente tirar o fascismo do poder, e a volta de um governo de esquerda, seja qual for, será uma tremenda vitória. Só que não será um avanço, e sim o primeiro passo para o retorno à mesma condição de uns 10 anos atrás. E mesmo assim este retorno não será imediato, longe disso. Seja com Lula ou com Ciro, a qualquer euforia inicial pela vitória se seguirá uma reconstrução lenta e difícil, e com a oposição contínua dos fascistas que sobreviverem.
Neste sentido, o Brasil vai seguido praticamente passo a passo os acontecimentos dos EUA. A eleição de Bolsonaro se seguiu à de Trump, e sua derrocada também é anunciada pela derrocada do Laranjão. Por isso mesmo, é útil ver o que está acontecendo por lá. A vitória do Binden foi saudada como o retorno à democracia e torci por ela, mas é evidente que ela não tornaria os EUA uma nação solidária com o resto do mundo ou coisa parecida, nem o Biden é um político adiante do seu tempo como o Sanders, ao contrário.
E o resultado é que, um ano após a eleição, há a ameaça de rebote trumpista nas eleições de meio de mandato para o Congresso, porque a popularidade do Biden anda baixíssima. Isto a despeito do pacote de socorro à economia (que está demorando para fazer efeito, como era evidente que ocorreria) e porque, depois de um sprint de vacinação, a parcela negacionista de lá (que é bem maior que a daqui) está impedindo que a pandemia seja debelada, e o ômicrom está fazendo um estrago enorme. Fora isso, a política externa está bagunçada etc., ou seja, Biden não está entregando tudo o que se esperava dele.
Então anotem: vai ser exatamente o que vai acontecer aqui, ainda que o cenário seja bem diferente. A eleição de Lula, que vai se configurando, será um enorme alívio para o país (a de Ciro igualmente, não tenho dúvidas). Mas o primeiro ano, quiçá o primeiro mandato, será duríssimo. É bom lembrar que, se Lula saiu do governo com uma popularidade altíssima, isto foi no segundo mandato, porque o primeiro foi de arrumação da casa e experimentos muitas vezes fracassados — a transformação do Fome Zero em Bolsa Família foi uma delas.
Há hoje uma massa crescente de eleitores do Bolsonaro em 2018 que está se voltando para o Lula — e outros procurando uma alternativa que pode ser Moro, se forem teimosos, ou Ciro, se forem espertos. Mas é bom lembrar que a frustração que os levou a votar em Bolsonaro é a mesma que os leva a Lula agora. Estão desistindo de Bolsonaro porque se decepcionaram com seu governo, e é bem possível que, depois de dois anos de governo sem resultado prático, se voltem contra Lula ou Ciro também. É do jogo, mas é preciso prever isso desde já.
Então, é muito importante ter em mente que a defenestração do fascismo é só a primeira coisa a fazer, mas a mais importante é seguir o mandamento do Mano Brown. A indigesta fala dele no último comício da campanha de 2018 deve ser o guia para a reconquista dos frustrados com a política em geral que votaram no bota-abaixo e agora estão propensos a apostar numa reconstrução. Esta reconstrução precisa incluí-los, portanto. E independente disso, nós, de esquerda, precisamos lembrar que esta reconstrução não apenas será um esforço conjunto, mas principalmente não virá magicamente pela mão do líder, e muitas vezes precisará ser cobrada dele.
Mas isto será em 2023. Antes, vamos lá botar estes fascistas pra correr. Temos este ano para isso.