Sobre uma fake news de esquerda
Notícias falsas são o mal do século, isso sabemos. O que não sabemos é que nós somos vulneráveis a elas, e é exatamente isto que abre caminho para elas, o foto de acharmos que são sempre os outros suas vítimas. O viés de confirmação é algo sem preferência partidária, mesmo que estatisticamente o público de esquerda tenda mesmo mais a confirmar informações e tenha fontes mais seguras. Mas isto definitivamente não torna ninguém á prova de mistificação, e semana passada aconteceu um caso exemplar disso, sobre a suposta divulgação dos áudios de Luis Miranda com Bolsonaro.
Lá pelo início da semana começaram a aparecer informações vagas de que estes áudios estariam circulando em Brasília nos celulares de alguns deputados. Um ou dois dias depois, haviam chegado à imprensa partes ou todo o material. Mais um pouco, a Globo já o tinha. No sábado, já se sabia que o Fantástico de domingo seria bombástico de revelações, quem estava implicado, e até detalhes do nível “o vídeo está dividido em três partes, a que vai ao ar é a mais branda, para assustar, a que inclui Fulano é a terceira” etc. Tudo isso sem nem sombra de confirmação por nenhum meio de comunicação, nenhum jornalista, nada.
Mas o mais incrível é que colou, colou forte, e não só em desavisados. Vi o boato sendo replicado por estudiosos em mídia, antropólogos, sociólogos, gente que estuda o fenômeno de comunicação e mais pelos perfis que têm atuado mais ativamente para desmentir com fatos e pesquisa a montanha de mentiras propaladas pelo governo. Eles também embarcaram. O que foi para mim um bocado assustador. Domingo à noite ainda tinha gente perguntando: “Mas não vai sair no Fantástico mesmo?”
E finalmente, hoje, segunda-feira, sabe o que se falou no assunto? Nada. É como se a história nunca houvesse existido. Se um negócio desses tivesse acontecido entre os fascistas, nós estaríamos a esta altura rindo a bandeiras despregadas deles, e com toda a razão, e fazemos isto cotidianamente, já que é exatamente isto que acontece todo dia com eles: acreditam em boatos sem fundamento, e quando o que acreditavam não acontece, simplesmente se movem para a próxima crença e esquecem a anterior. O comportamento da esquerda no caso atual foi rigorosamente o mesmo: acreditou numa história sem fundamento porque quis acreditar, porque queria muito que fosse verdade: e quando ela se revelou falsa, deixou para lá e partiu em busca de outra coisa.
Acho esta história muito útil. Torço muito para que os áudios ainda apareçam, mas esta história não é sobre eles, mas sobre nós que estamos combatendo a desinformação. Estamos na beira do que será a campanha mais suja da história deste país, uma das mais sujas do mundo, e mentira será mato. O primeiro fundamento para conseguir combater as mentiras do adversário será não formular as nossas próprias e não cair nelas próprias, permanecendo conscientes de que não estamos imunes aos mecanismos que combatemos. O que mais favorece o fascismo é sempre a instalação do caos e a desqualificação do oponente, apontando nele seus defeitos (e afirmando que quem faz isso é o oponente). Tudo o que não precisamos é lhes dar razão.