Sobre uma derrocada lamentável

Túlio Ceci Villaça
3 min readSep 10, 2022

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E o tema volta a ser o Ciro. Não devia, ao menos por este motivo. Depois de ganhar alguns pontos com seu desempenho em debate e sabatina, ele voltou a cair nas pesquisas, queda exatamente correspondente à ascensão do fascista. Dois pontinhos, mas em grande parte localizados entre os mais jovens.

O que aconteceu? Bem, aconteceu o que já era avisado há tempos: a campanha de Ciro vai na direção oposta a seu programa. O projeto Brasil, registrado em livro e apregoado por ele e seus apoiadores com tanto entusiasmo, é um: sua prática e de seus apoiadores mais fervorosos é outra bem diversa.

Ciro decidiu buscar apoio para suas ideias de centro-esquerda no eleitor de direita. Foi à Jovem Pan dizer que tinha medo de Alkmin levar o Brasil ao socialismo. Teve suas críticas a Lula (incluindo algumas como duvidar de sua saúde e chamá-lo de ladrão) repercutidas pelos bolsonaristas com satisfação. Não é de hoje que sua atitude agressiva serve de exemplo para seus seguidores.

(Sim, petistas são capazes do mesmo tipo de agressividade. Mas primeiro, eles não são incentivados pelo candidato; e segundo, o argumento “E o Lula? E o PT?” é mais uma estratégia bolsonarista. Portanto, resistam a ela, ciristas, não é o PT que está em pauta aqui).

O resultado desta estratégia equivocada é uma tragédia anunciada. Ele não consegue crescer entre a esquerda, já que age como direita exaltada; e agora passa a perder votos na própria direita, pois para os direitistas exaltados há uma figura com muito mais potencial de identificação.

Achei realmente que o caminho tomado na exposição pública na sabatina e no debate serviriam para lembrá-lo do que é mais produtivo em sua campanha, seu ponto forte: o que sabe do Brasil. Mas aparentemente, nem ele concorda com isso.

Mas no fundo — e aqui está possivelmente o grande problema — esta postura está refletida em seu programa também. Pois a grande crítica a ele, desde sempre, é como colocá-lo em prática. Como aprovar suas propostas no Congresso cuja composição ele repudia quase em bloco. A proposta de plebiscitos é pobre, insuficiente e perigosa. Não é possível tratar temas complexos em democracia direta, para isso existe um lugar chamado Parlamento, onde eles podem ser estudados em profundidade. Consultas como o referendo das armas, em 2005, mostravam desde aquela época o poder de um lobby na simplificação de um assunto até a memeficação, e daí ganhar o debate no grito. Não à toa este tema se tornou um dos pilares fascistas mais de 15 anos depois.

O que parece não ocorrer ao Ciro é que a articulação política é parte integrante e indissociável de um programa de governo. Negá-la não é uma qualidade do programa, e sim uma deficiência. Ciro não sabe como aprovar suas propostas, nem junto ao Congresso, nem junto ao eleitor, e por isso o apelo à agressividade, que não resolve nem num nem noutro caso.

O resultado da estratégia de campanha de Ciro é que hoje há mais eleitores dele que se identificam como direita que como esquerda. Certo é que não leram seu programa, estão com ele pelo que diz nas redes. Ele está tomando o mesmo caminho do PSDB, que ele deixou há décadas justamente quando adernava para a direita. E o caminho que está tomando tende a ter com o PDT o mesmo resultado teve o PSDB: a diminuição até a irrelevância.

Tudo isso é muito triste, e se gasto meu latim aqui é só porque realmente acho o Ciro um quadro excepcional. Mas para mim é evidente que ele escolheu um caminho suicida, e pior, a esta altura tornando-se útil para o fascismo. Ciro está formando a nova geração de bolsomínions com seu discurso que vai na direção contrária do que sempre pregou.

Outro dia expurguei de minhas redes um cirista agressivo como estes que descrevi acima. Sua foto de perfil era de Noam Chomski, mas num desenho que parecia mais Olavo de Carvalho. Achei sintomático e avisei a ele. Não entendeu, ou não se incomodou. Acho que isto resume tudo o que disse acima.

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Túlio Ceci Villaça
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