Sobre um comedor de farofa

Túlio Ceci Villaça
3 min readJan 31, 2022

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Não vou botar aqui o vídeo do Bolsonaro comendo farofa com as mãos e derrubando tudo no chão, para não emporcalhar minha própria linha do tempo. Mas o fracasso absoluto da publicação é bom sinal, porque o truque perdeu efeito.

A publicação foi feita pelo Ministro da Comunicação — aquele, genro do Silvio Santos e na verdade não teve nada de espontânea, o filho Carluxo estava lá “dirigindo”. A intenção era a mesma de sempre, passar a imagem de um cara gente como a gente. Bolsonaro tenta desde a campanha emular o que Lula é naturalmente. Acontece que ele nunca entendeu nada. Não é a imagem de povão que traz a popularidade, é o bom governo que permite que a imagem seja de povão.

Lembro de uma vez em que o Fred, atacante do Fluminense, foi violentamente atacado por comemorar seu aniversário num bar com amigos depois de uma derrota do time. Alguém conseguiu ter acesso à conta e lá havia uma enormidade de caipirinhas, que foram todas atribuídas a ele, como se não fossem mais de 20 pessoas à mesa. Ele se defendeu indignado, mas ninguém queria lhe dar ouvidos. Até que algumas rodadas depois ele marcou gols, o time venceu e tudo foi esquecido.

Isto é injusto? Sim, é. Já não seria tão injusto se o Fred tentasse usar sua comemoração particular de aniversário como algo positivo em suas relações públicas. É evidente que não daria certo, porque o torcedor quer gols e vitórias, e só vai se indignar com a vida privada do jogador se elas não vierem. Mas Bolsonaro acha que expor a sua vida particular e pior, espetacularizá-la, serve para compensar um governo desastroso e disfarçar seus inúmeros gols contra e derrotas.

E pior, à medida que sua popularidade decresce devido a estas derrotas, ele se desespera e se esforça mais para tentar reverter o quadro com estes espetáculos grotescos. A cada vez que ele renova suas aparições, o faz mais apelativamente. Se o sanduíche de leite condensado foi recebido de forma anedótica por seus seguidores, a pizza no meio da rua em Nova Iorque por ser barrado nos restaurantes já foi difícil de ser defendida por seus seguidores. E ontem a cena foi tão abjeta que acabou sendo apagada pelo próprio ministro que a postou, ao perceber que não agradara nem os mais alucinados.

A reação ao vídeo mostrou a proximidade do fim da linha para ele, e o tamanho do equívoco em que ele teima. Além da concepção que faz de um comportamento de povão… Falta a ele quem diga que o povão quer um presidente que tenha alguma dignidade, e saiba a hora de quebrar o protocolo, e não um que chafurde na farofa com as mãos, derrube tudo no chão e ache que isso conta a seu favor. Ou melhor dizendo: se o povão quer alguma coisa, é um governo que saiba o que está fazendo, com ou sem farofa.

Tudo indica que o Bolsonaro vai seguir em frente com sua estratégia vencida. Vai passar os próximos meses agindo de forma cada vez mais boçal, tanto por estar convencido de que ser do povo é isto, quanto por desespero de ver escorrerem entre seus dedos os que um dia o apoiaram, assim como a farofa que deixou ciar no chão e nas próprias calças. Vai despertar cada vez mais raiva dos mesmos que um dia consideraram positiva sua encenação. E depois vai chorar sobre a farofa derramada. Espero sinceramente que chore muito.

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Túlio Ceci Villaça
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