Sobre os Uberministros
Cem dias depois, além da confirmação do evidente despreparo completo do escolhido para presidir o país, vão se evidenciando também as incapacidades de seus dois superministros, sobre os quais ele depositou o sucesso do governo. Moro e Paulo Guedes vão aos poucos ficando a descoberto, à medida em que proteção a que sempre receberam do status quo é furada e o choque de realidade de passar da teoria à prática, em um caso, e da onipotência à política no outro.
Moro particularmente foi e ainda é o ídolo de muitos. Porém, as incontáveis violações cometidas por ele na condução da Lava Jato não são mais acobertáveis agora, em que se confronta com outros poderes no campo deles. Além disso, é posta em dúvida sua formação intelectual num nível assustador. Moro, nos EUA, contou a Olavo de Carvalho que leu um de seus livros, mas achou “um pouco denso”. Mas agora, diante de erros de português inaceitáveis para um magistrado, causa espanto que tenho feito provas e emitido sentenças compreensíveis.
A bem da verdade, toda o alicerce que Moro construiu para a Lava Jato é de areia. Sua leitura da italiana Operação Mãos Limpas, que copiou por aqui, ignorava tanto os efeitos políticos (a eleição de Berlusconi no vácuo político) quanto policiais (a corrupção só diminuiu por alguns poucos anos e se reconfigurou logo depois). Ambas as consequências, mutatis mutandi, vão se repetindo aqui, o que evidencia o quanto sua leitura foi insuficiente.
Para além disso, há a atuação pífia como ministro, atropelado pelo presidente no decreto das armas, por Olavo na nomeação de uma quase insignificante membra de comissão, e por Rodrigo Maia na tramitação de seu pacote, que por sinal é avaliado pelos especialistas na área como mal redigido e generalista, afora a proposta de licenciar policiais para matar. Sem contar a acusação de plágio da proposta já feita pelo ministro do Supremo Alexandre de Morais.
O caso de Paulo Guedes é outro, mas porque seu histórico de banqueiro aparentemente não o fez entender absolutamente nada de política pública, mas apenas de lucrar, e o papel de suas aulas e colunas de jornal aceitava tudo. Sua Reforma da Previdência já foi desidratada antes mesmo de começar a tramitar e curvou-se vergonhosamente à pressão militar. Mas poderia se dizer que esta culpa não é dele. Mas a proposta de capitalização, por exemplo, parece com o assassino que alega estar salvando a vida da vítima, quando afirma que, para solver o rombo da Previdência deve-se colocar dinheiro… em outro lugar, e apenas o trabalhador, sem sequer o empregador coçar o bolso. Com razão, há quem afirme que o verdadeiro objetivo é falir os fundos de pensão, que são investidores de muitas estatais, e assim abrir caminho para uma privatização ampla e irrestrita. Aliás, Guedes é investigado por fraudes em fundos de pensão.
A atuação de Guedes na Câmara tentando defender a Reforma foi um exemplo tanto da desarticulação absoluta do governo, pois não havia ninguém para tomar seu lado, como dele próprio, que tratou de citar Cuba e Venezuela totalmente fora de propósito como provocação, e quando perguntado sobre um aspecto da aposentadoria das domésticas, reagiu acusando os governos anterior de não terem feito nada “colocando dinheiro no BNDES e em ditaduras comunistas”. Ou seja, basicamente colocou a culpa dos defeitos de seu projeto… no PT. Não à toa se destemperou quando confrontado com a diferença de tratamento entre pessoas físicas e jurídicas, e os termos usados foram finalmente um pretexto para acabar com a sessão da qual já fugira uma vez.
Este são os dois maiores sustentáculos do governo e de suas principais ações, sobre as quais se hipoteca o sucesso do próprio governo. A mudança de Super para Uber no título se deve à característica comum entre ambos: pegaram uma carona no governo autoritário por suas ambições pessoais, depois de anos alugando suas ações e falas ao stabilishment, e agora estão em pleno trajeto. Aguardo a voz feminina dizendo “Você chegou a seu destino”, espero que bem distante do nosso.