Sobre os grampos de Lula

Túlio Ceci Villaça
4 min readSep 9, 2019

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Hoje o grupo de facebook de apoio a Gleen Greenwald, com mais de 240 mil pessoas, foi invadido. Em questão de minutos, uma conta fake se tornou administradora, mudou o nome do grupo para Bolsonaro 2022, tornou-o de aberto em secreto e arquivou-o (nem sabia que isso era possível), impedindo qualquer interação, como se fosse um grupo encerrado. No fim da tarde, a administração recuperou o controle.

Conto isso para demostrar de novo qual é a tática fascista, já usada de sobejo durante a campanha ano passado com o grupo de mulheres contra Bolsonaro, invadido dezenas de vezes. Este tipo de reação é uma das únicas possíveis diante das revelações do Intercept — que por outro lado são muito mais confirmações e detalhamentos que revelações propriamente, já que quase tudo que vem nas conversas de Dalagnol eram segredos de polichinelo, apenas negados protocolarmente pela Lava Jato, sabendo-se protegida da imprensa. É a mesma cara de pau que permite a Moro se manter ministro, Deltan se manter procurador. Dane-se a legalidade, diz Deltan, e age de acordo.

Há dois momentos da nossa história recente que cavaram o buraco em que estamos agora. O segundo foi o voto do Impeachment de Bolsonaro louvando o torturador. Não ter saído preso do plenário da Câmara, e em vez disso ter sido ameaçado de cassação o deputado que revoltou-se com sua canalhice (e que acabou cassado informalmente mais tarde à base de ameaças de morte) foi o que determinou que Bolsonaro podia fazer o que quisesse — incluindo não apenas a pregação de ódio, mas a disseminação de mentiras que o levo impunemente à presidência, e à qual ele continua apelando.

Mas o primeiro momento é que está em pauta e este é a liberação para a Rede Globo, por Sergio Moro, dos áudios dos grampos de Lula e Dilma. Nunca houve dúvida de que todo o processo foi ilegal, desde áudios captados depois do prazo legal expirado, passando pela inclusão da presidente da República numa autorização de juiz de primeira instância, até a divulgação no mesmo dia, às pressas e à margem do processo. Tudo era ilegal ali, mas ao menos havia o argumento, que parecia impossível de derrubar totalmente, de que a intenção de Lula era se colocar a salvo de Moro ganhando foro privilegiado, e portanto de alguma maneira a ação de Moro se justificaria para combater o desvio de função — que foi usado por Temer abundantemente mais tarde, em especial com Moreira Franco, e já fora usado por FHC com Gilmar Mendes, o juiz do STF que proibiu a posse de Lula.

Mas os diálogos que a Intercept traz agora, que incluem conversas gravadas de Lula que nunca foram divulgadas pela Lava Jato, explicitam diversas vezes que não só ele relutou muito em aceitar o cargo (coisa que já fora amplamente noticiada à época também), como que ele realmente só aceitou o cargo afinal com o objetivo de concertar as relações políticas do governo com o Congresso, deterioradas pela inabilidade de Dilma — e pela fome golpista de Eduardo Cunha, Temer e seus cúmplices. Ele diz isso diversas vezes, a diversas pessoas a quem não teria nenhum motivo para mentir. E quando fala com interlocutores do Congresso, se refere sempre várias vezes á retomada de conversas políticas para reorganização de uma base de apoio.

E quando Deltan Dalagnol se refere a Moro como a mente por trás de tudo o que acontecia (o que é evidente), demostra antes de tudo e mais uma vez que Moro não era o juiz com quem o MP trabalhava na Lava Jato, era seu mentor e patrão. E quando afirma com todas as letras que a legalidade era apenas um detalhe diante de uma ação política coordenada do judiciário no sentido de derrubar um ministro — e na sequência um governo — Deltan e Moro cometem, pela enésima vez, uma lista de crimes difícil até de inventariar — prevaricação, sedição, formação de quadrilha, tentativa de golpe de estado — que efetivamente aconteceu graças a eles — e dão o primeiro passo para a prisão de Lula sem provas dois anos depois — esta também já mais que comprovada pela Vaza Jato, quando os mesmos procuradores admitem não terem as provas que gostariam.

Estes fatos — o voto de Bolsonaro no Impeachment e a liberação dos grampos inconstitucionais — são os dois determinantes da eleição de Bolsonaro, num dando a ele plenos poderes e tornando-o inimputável, e no outro criminalizando a existência de seu principal oponente, abrindo caminho para a derrubada de seu partido do governo e se sua própria prisão, tirando-o do caminho de Bolsonaro.

Por tudo isso, considero que qualquer atuação contra este governo que não leve este processo em conta não tem como prosperar. Uma concertação de partidos e instituições verdadeira para atuar contra o fascismo é urgente, mas uma que deixe a pauta da prisão de Lula de lado com o argumento de não criar marola junto ao eleitor simplesmente não terá a profundidade histórica de que precisa. Queira ou não parte da esquerda, a prisão ilegal e política de Lula é o fator central de tudo o que ocorre no país hoje, está em seu nascedouro, e precisa ser enfrentada. A grande arma contra o fascismo é o legalismo,e contra este tudo o que o fascismo tem são ameaças e mais ações ilegais. Todo apoio é bem vindo contra o fascismo — desde que este apoio não implique em transigir com a legalidade. E se esta transigência implica em deixar a prisão do Lula de lado, desculpem, contem comigo lembrando incomodamente que Lula é um preso político. Até porque já ficou claro o quanto é incômodo aos fascistas lembrar isso.

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Túlio Ceci Villaça
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