Sobre os dezoito dias
A última crônica do Veríssimo falava sobre a sonda que a China enviou ao lado oculto da Lua. Diz ele que os chineses não esperavam encontrar nada, e o lado oculto da Lua não decepcionou: não havia mesmo nada lá. Fiquei esperando ele, como costuma fazer, ligar a primeira parte do texto a atualidades, mas ele ficou por aí. Pois então faço eu, porque a bola está cruzada, é só cabecear: esta é a imagem perfeita do governo Bolsonaro nos seus primeiros dias.
Sendo mais preciso, não é que ele não tenha prometido nada. Ele prometeu, muita coisa, mas entre elas decididamente não estava um governo. Ele prometeu terceirizar a economia, e o fez. Afora isso, tudo o que prometeu foi continuar em campanha pelo resto do mandato. Sua primeira quinzena no Planalto é perfeitamente coerente ao período de transição e à campanha, não exatamente porque ele esteja pondo em prática o que disse, mas principalmente porque ele não para de dizer, e dizer, e dizer, e continua agindo da mesma forma desgovernada da campanha. Ou seja, temos um governo desgovernado.
E sendo mais sucinto, praticamente todas as ações do governo fascista tomadas até agora, que não são mera destruição do que foi construído a duras penas em anos, é pura e simplesmente jogo para a platéia que não mede as consequências. A escolha de ministros foi quase toda assim, incluindo o chamado do Moro, que não foi uma jogada de compadrio ou coisa parecida, mas pura e simples busca de popularidade. E assim Damares, o embaixador terraplanista, o astronauta, e vai por aí. Não se pense que este governo tem noção de profundidade, ele enxerga até dois palmos do nariz, e esta é a sua capacidade de previsão.
E isto se dá porque o presidente é um representante do nosso baixo clero político por excelência. Bolsonaro passou a vida inteira sem fazer nada além de vociferar na tribuna de vez em quando, fazer lobby pelo soldo e extorquir os assessores. Esta é a sua vida parlamentar, 30 anos. Por que raio se achou que seria diferente agora? Ele segue fazendo o que fez a vida inteira, porque é a única coisa que sabe fazer. Não sabe articular ideias nem alianças, não sabe negociar, não sabe fazer a ligação enter o que esbraveja e algo parecido com um plano. Para ele, o governo é um grande BBB. Tudo o que ele sabe é quem quer ver do lado de fora.
A verdade é que Bolsonaro e seus filhos estabeleceram uma famiglia com um esquema mafioso de extorquir assessores fantasmas — já são quantos? A Wal do Açaí, o que morou em Portugal durante o trabalho, a personal trainer no Rio… vão dizer que isto é comum no Congresso, e é, mas não nas dimensões familiares que tomou, e nem com o presidente da República. É possível que os valores venham a ser comparados com o rombo da Petrobrás, por exemplo, para minimizá-los (da Privataria não se falará), mas isto só mostra que, mesmo que o governo anterior fosse imensamente corrupto, foi substituído não por um paladino da honestidade, mas por um ladrão de galinha. Sua falta de visão vai até o nível mais básico, já que o roubo a que se dedicou a vida inteira era um esquema ridículo e mesquinho. E a admissão de culpa implícita do filho ao pedir a suspensão da investigação ao STF, colocando-se na linha de tiro para tentar se safar, é exemplar desta visão política vesga e imediatista. Assim como a série de desmentidos e voltas atrás, que deixam evidente que o período de transição não serviu para nada. A verdade é que este governo não tem, dezoito dias depois de iniciado, a menor ideia do que fazer. E vou dizer uma coisa: diante do que ele é e do que confusamente defende, me parece que esta é a melhor notícia que poderia haver.