Sobre o stop the count

Túlio Ceci Villaça
2 min readOct 28, 2022

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Em 2020, quando Trump perdeu sua reeleição, a imprensa dos EUA teve uma dura lição para aprender, e aprendeu. Está na hora da imprensa brasileira aprender.

A imprensa tem dois adestramentos fundamentais em sua visão do que é notícia. A primeira delas é que se o cachorro balança o rabo não é notícia, mas se o rabo balança o cachorro, é. Isto significa que a rotina não é notícia, mas a exceção é, e isto torna declarações bombásticas notícia, mesmo que falsas, mesmo que prejudiciais, mesmo que úteis a algum projeto político. Bolsonaro sabe usar isso desde sempre a seu favor.

Acontece que, se a declaração bombástica se torna o padrão, ela então deve por sua vez deixar de ser notícia. Se afirmações disparatadas, acusações sem provas e teorias de conspiração se sucedem, elas não são mais o rabo abanando o cachorro, viraram a rotina, e como tal devem ser tratadas. A imprensa americana abandonou as teorias de conspiração do Trump e o deixou falando sozinho quando percebeu que estava sendo usada. O stop de count! virou piada porque não foi amplificado pela imprensa. Se tivesse sido, ganharia uma validação que poderia ter tido consequências desastrosas.

O outro adestramento da imprensa é ir buscar a informação na autoridade constituída. Isto serve para manter a ordem e pode servir para transformar a imprensa em chapa branca. Um reporter policial evidentemente tem sua primeira fonte na delegacia, com a polícia, não com os bandidos. Acontece que, quando a polícia é corrupta, sua versão falsa não é questionada.

Da mesma forma, a imprensa tem a tendência de ouvir quem está no poder, pois o cargo por si confere importância ao que é dito. E novamente Bolsonaro tem usado e abusado disto para dizer o que bem entende, misturando propositalmente sua posição de candidato com a de presidente para emprestar autoridade a seus impropérios.

E aqui novamente a imprensa precisa se colocar à distância do cargo que cobre. Não que ela não saiba fazer isso: a campanha de descrédito da Dilma foi muito eficaz, e nem falemos de Getúlio Vargas… mas não é preciso tanto. Basta não dar automaticamente publicidade ao que diz o presidente apenas por ser presidente.

O bolsonarismo já começou seu stop the count, com dias de antecedência. A teoria de conspiração com mais furos que peneira está sendo distribuída massivamente nos grupos subterrâneos. Bolsonaro passou estes anos esnobando a imprensa porque sabia que ela correria atrás dele como um cachorrinho. Ela demorou para parar de se humilhar no cercadinho. Agora ele vai fazer de tudo para que suas teses sejam repercutidas de forma a serem tratadas ao menos como uma possibilidade. Isto bastará. Só há uma coisa a fazer: tratar mentira como mentira e fascistas como fascistas. Esta é a verdadeira imparcialidade. A mídia dos EUA aprendeu a duras penas, mas soube cumprir seu papel na hora mais necessária. Espero que a brasileira esteja à altura.

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Túlio Ceci Villaça
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