Sobre o poder dos 300 picaretas
Há duas coisas bastante ameaçadoras tramitando no Congresso neste momento. Uma é um processo de cassação do mandato do deputado Glauber Braga, e outro é uma PEC que daria ao Congresso o poder de anular qualquer decisão do STF que não seja unânime. As consequências destas duas propostas são bem diferentes, mas são ambas igualmente perigosas, e sinais de o quanto este Congresso, em que pese sua função representativa e sua diversidade relativa, está dominado por uma máfia fascista.
Por partes. Glauber perguntou se o presidente da Câmara, Arthur Lira, não tinha vergonha de apoiar a privatização da Petrobras. A resposta de Lira foi denunciá-lo no Conselho de Ética. Seu processo está sendo conduzido a toque de caixa para que dê tempo de cassá-lo antes da eleição, tornando-o inelegível. Glauber é o mesmo que, na votação do impeachment, chamou Eduardo Cunha de gangster; Cunha ouviu-o impassível. O tempo mostrou quem tinha razão. E Lira é o mesmo que não dá andamento a nenhum dos mais de 150 pedidos de impeachment de Bolsonaro.
Já o projeto de alteração da Constituição quer isso mesmo que descrevi acima, dar ao Congresso o poder de anular decisões do STF que não sejam votadas por 11 X 0. Some-se a dificuldade em conseguir este placar com o fato de haver dois paus mandados do atual presidente dentro do STF, e temos basicamente o fim do STF, uma das coisas mais almejadas por um regime totalitário, e feita em tese toda dentro das normas, mudando as leis… evidentemente a proposta é inconstitucional, pois causa um desequilíbrio gigante entre os poderes (por ironia típica, ela se chama “Equilíbrio entre os Poderes”…) Mas, se for aprovada, quem vai ter de dizer isso é o próprio STF, emparedado.
O que há em comum entre estas duas ações? Há um Congresso botando mangas de fora no autoristarismo. Glauber está ameaçado de cassação tanto quanto Bruno Pereira foi exonerado da Funai, porque estava atrapalhando as negociatas — no caso, ele é uma pedra do sapato dos deputados adeptos do Orçamento Secreto. Se ele for realmente cassado, abre-se uma porta para excluir do Congresso a jato qualquer deputado incômodo. Já a ação tirando poder do STF serve menos ao atual presidente que ao próprio Congresso, que aumenta imensamente sua capacidade de barganha com o Executivo. Agora não serão só as aprovações de leis e orçamentos a serem negociados, mas também as próprias decisões jurídicas!
Sem perceber, eu andei fazendo uma série de postagens sobre os desafios que o próximo governo vai ter de enfrentar. Uma é a infiltração no STF de dois servos do fascismo; outra é o processo de miliciarização de todas as forças policiais e armadas do país; e esta é mais uma, o processo de cafagestização do Congresso, que desde há muito tem seus 300 picaretas, como definiu Lula, mas que hoje tem picaretas-mor chefiando-o e lutando por mais poder e destruição — que é o que picaretas fazem.
O novo governo vai ter de encontrar uma forma de lidar com estas forças, que não vão embora, sem ser meramente comprá-los com Orçamento Secreto. O ideal é que facilitemos seu trabalho tirando de lá o que pudermos. Quem quer tirar Bolsonaro do poder não pode votar em ninguém que se comprometa mesmo que remotamente com suas forças. É muito difícil fazer uma limpa no Congresso (e só um terço das vagas do Senado está em jogo), mas cada bolsonarista retirado de lá será um passo grande para acelerar a reconstrução do país.