Sobre o PM Wesley
12 horas no Brasil fascista já fazem tudo virar notícia velha, mas ainda assim vou falar da tentativa de tornar herói Wesley, o PM baiano que enlouqueceu. Até onde sei, não acharam redes sociais nem seus posicionamentos políticos ou votos. Mas não seria difícil reconstituir o que o levou ao surto e à morte, porque não é nada diferente do que tentaram fazer com ele depois.
Vejamos então: Sendo um PM, querendo ou não, por mais honesto que fosse, foi submetido desde que entrou à pressão do pensamento militarista da existência do inimigo a ser combatido, um inimigo interno no caso dela, que em geral é o bandido, o marginal, sempre condenado antes do julgamento e configurado no preto e no pobre. Mas quando aplicado politicamente, esta corporação que recebeu sobre si as cinzas da ideologia militar da ditadura só pode detestar os fantasmas de sempre, os comunistas — e tudo isso e mais alguma coisa joga seus integrantes no colo do fascismo bolsonarista, com tudo o que ele tem de consequências.
Some-se a isto os inevitáveis grupos de whatsapp, incluídos os dos próprios companheiros de corporação, com seu bombardeio incessante de mentiras e a construção da realidade paralela que sabemos, e temos aí um homem, muito provavelmente de baixa instrução, apto a acreditar em quase toda teoria de conspiração que for apresentada. Que no caso é a de um complô comunista contra a pátria disfarçado em uma doença que provoca o lockdown e este torna a população indefesa contra a tomada do poder pelo inimigo.
Pois é disso que tratam as teorias que se disseminam, não se trata do direito a trabalhar — ou este argumento só vem como coadjuvante muitas vezes, para reforçar a noção do comunismo tomando o poder. A conclusão rigorosamente lógica de todas estas premissas absurdas, para um policial, é que, se ele obedecer seus chefes, será um inocente útil, e que ele tem o dever cívico de se rebelar e se recusar a atuar contra o povo brasileiro, que está sendo escravizado pelo lockdown. Um homem de verdade precisa reagir. E foi o que ele fez.
O pobre coitado do Wesley foi enlouquecido pelo fascismo, de forma muito próxima aos alucinados que invadiram o Capitólio. A técnica é a mesma, e no caso do Wesley foi até mais fácil pelo ambiente da PM, já favorável a este pensamento de forma imersiva. Todo o discurso de Bolsonaro tentando criminalizar os governadores de estado — principalmente os do Nordeste e da oposição, caso da Bahia — vai de encontro a estas consequências. Digo mais: o objetivo do discurso de Bolsonaro é este mesmo, mas o ideal para ele seria que tivesse havido um surto coletivo, que causaria uma sublevação geral.
Por isso não é de se estranhar que o filho do presidente, a presidente da Comissão de Constituição e Justiça e mais uma dúzia de personalidades políticas representantes do fascismo tenham tentado transformar o Wesley em mártir. É apenas a continuação do que já acontecia desde o início do processo. Estranho seria se eles não tentassem se aproveitar desta pessoa que transformaram em marionete e mandaram para a morte em nome deles.
As autoridades que louvaram a loucura do Wesley pregando mais ou menos subrepticiamente um motim das PM estaduais são criminosas, e ao que sei não serão punidas, em mais um crime acumulado do fascismo tupiniquim. Mas é preciso frisar que o que o fascismo fez do mal-afortunado do Wesley não é diferente do que faz cotidianamente com milhares e milhares de pessoas, que o bombardeio de insanidades que o levou à loucura está neste momento sendo veiculado impunemente a uma parcela enorme da população. O crime de Bia Kicis, Eduardo Bolsonaro e outros não foi o que publicaram hoje, depois da morte do Wesley, mas o que publicaram antes e o levou a ela.