Sobre o paradoxo da burrice
Uma regra básica sobre inteligência é que a pessoa inteligente em geral sabe que é, mas a burra não sabe que é burra — se percebesse, já estaria sendo de alguma forma inteligente. Forrest Gump, que tinha consciência de sua inteligência limitada e tornava esta consciência num tipo melhor de inteligência, é caso raro. De forma análoga, uma pessoa com muito conhecimento, se for inteligente, saberá como Sócrates que na verdade tem pouco, e a que tem pouco conhecimento tenderá a achar que tem muito, já que nao sabe sequer quanto conhecimento é possível ter.
Como corolário temos que quem mais tem certeza e orgulho de pensar por si mesmo é quase sempre a pessoa mais influenciável e fácil de enganar. A psicanálise já tem cem anos avisando que nossas decisões são determinadas inconscientemente mais que imaginamos, mas seguimos crentes na nossa lógica pessoal contaminada por tudo que não admitimos em nós mesmos. Como publicitário de formação, sei bem o quanto as escolhas mais bem justificadas são feitas na verdade de forma totalmente irracional, emocional. As justificativas são construídas depois. Tipo temos convicções, depois inventamos alguma prova.
Isso vale para todo mundo, claro. Mas o caso dos bolsominions e defensores do Moro, é bom de estudar pelo seu grau de dissociação da realidade. O nível de hipnotismo deles chegou ao grau do fanatismo, e os ingredientes estão todos lá: são em geral pessoas que não tinham nenhum conhecimento político até outro dia, e hoje se acham clarividentes, extremamente lúcidas, compartilhando notícias falsas sem verificar e se recusando a acreditar nas verificações. São mais facilmente enganados quanto mais se orgulham de não serem enganáveis. É um padrão muito pobre, que inclui, claro, não acreditar que ninguém escape dele. Portanto, quem discorda dela esta do lado oposto. Quem vive num mundo bidimensional não tem como imaginar a profundidade.
Falo isso tudo pela conversa com uma senhora hoje. Eu ia citar as falas, mas nem vale a pena, são clichês automáticos bem implantados em sua cabeça, rasos como pires e entremeados ou sustentados por informações falsas. É preciso tempo para furar os mecanismos de defesa destas pessoas, porque a propaganda as fez acreditar que são inteligentes e bem informadas, e contestar isso numa conversa é uma ofensa pessoal. E dizer que você não é fanático para elas é piada, pois se ela não é, logo quem discorda dela só pode ser…
É uma descrição triste. Mas tenho a impressão de que não dura muito. A informação abre caminho devagar. Um grupo pequeno tende a se radicalizar, mas um grande dificilmente se mantém coeso. As certezas dos manifestoches vão se esboroar, já estão, mas não será com memes contrários, e sim com o antídoto do meme, do slogan e da frase de efeito, que é o pensamento lógico. Porque sim, o ser humano, este inconsciente e irracional, é capaz de aprender. Todos, até sua tia que descobriu a política há dois anos no Whatsapp. Mas primeiro vai ter de perceber o quanto não sabe. Eu sei. Ou melhor, bem, acho que sei que não sei.