Sobre o método da loucura e a loucura do método

Túlio Ceci Villaça
4 min readJun 7, 2019

--

Uma das armas utilizadas pela horda neotirânica que tomou o poder no Brasil, afinada com a que disputa o poder no mundo atualmente é a prática de semear o caos de significações, solapar a confiança naquilo que querem destruir, por meio de mentiras deslavadas que, até serem desmentidas, abrem espaço para sua ação. Parece uma estratégia simplista, e é apenas na medida em que até mesmo um imbecil pode aplicá-la. Mas se aplicada por um sofista pode ser bem difícil de combater. Vou dar alguns exemplos, dentro e fora do governo.

Os de dentro são dos ministros da Educação e Meio Ambiente, e estão sendo usados para destruir o mais possível a infraestrutura destas pastas e do próprio país nestas áreas. Abraham Weintraub afirmou que três Universidades públicas faziam “balbúrdia”, seja lá o que isto significa (e não estar claro o que significa é ponto para ele, pois dificulta a resposta) para cortar suas verbas. Depois, diante da reação, decuplicou a aposta estendendo o corte para toda a educação pública federal, incluindo o Colégio Pedro II e o Fundo da Educação Básica. E reage com mentiras deslavadas, como dizer que educação básica será priorizada (ignorando o próprio corte), que é apenas um contingenciamento (sem garantir a liberação posterior), que o corte foi menor do que realmente foi (como no vídeo dos chocolates) e até acusando seus acusadores de fake news (como no vídeo do guarda-chuva). A profusão de mentiras disparadas vai sucessivamente desviando o foco e dando o trabalho do desmentido aos críticos, tornando o debate progressivamente inócuo. Enquanto isso, os cortes prosseguem e, quando ele defende o fortalecimento do ensino particular, completando o pensamento evidente desde o início, soram poucos para rebatê-lo, perdidos entre as indignações anteriores.

Outro que usa muito bem a estratégia é Ricardo Salles, do Meio Ambiente. Tudo o que ele fez na pasta até agora foi destruí-la, mas ele não tem nenhum problema em afirmar o contrário no Congresso e sair vaiado. Sabe que simplesmente sustentar a mentira já é suficiente para impedir boa parte das ações imediatas contra ele. Sua ação contra o Fundo Amazônia é exemplar do método: anunciou numa quinta-feira que havia encontrado irregularidades em nada menos que um quarto dos contratos. De imediato, sem verificação, a diretoria do BNDES, gestor do Fundo, afasta a funcionária responsável, até então tida como exemplar. Então, no dia seguinte, o ministro simplesmente não consegue apontar na entrevista coletiva nenhuma irregularidade, apenas repete platitudes afirmando que a gestão do Fundo precisa mudar. Ora, fica óbvio que o que ele quer é tirar a gestão do Fundo o BNDES para se tornar o responsável direto pela sua aplicação. Daí passa a forçar a barra em reuniões com os países que contribuem para o Fundo, e Noruega e Alemanha ameaçam parar de contribuir se ele continuar. Enquanto isso, o BNDES, mesmo sem a comprovação de nenhuma irregularidade, mantém o afastamento da funcionária e rebate tibiamente as acusações. A mentira deus seu frutos, mesmo que seja contestada tardiamente, gerou um fato consumado.

Mas os melhores exemplos do uso da falácia e do sofisma vêm, naturalmente, de seu mestre, a eminência parda do governo, Olavo de Carvalho. Há inúmeros, mas podemos destacar o mais recente, sua defesa enviesada do terraplanismo. Às vezes dá mesmo a impressão de que ele faz isto apenas para se divertir. Funciona assim: ele posta sequencialmente parágrafos afirmando que não vê provas definitivas de a Terra ser redonda. Com isto, atrai incautos que se metem a debater com ele defendendo o óbvio - e os vence na base da retórica com facilidade.

Esta é uma técnica de desmoralização do oponente. Ele não precisa provar o terraplanismo, basta desmoralizar quem o defende sem saber bem como explicar. Ocorre que a maior parte da vida moderna é baseada em conhecimento que não é dominado pelo usuário. 90% da população não sabe explicar um forno micro-ondas, mas ele funciona. O Olavo questiona a Relatividade há muito tempo, embora ela seja confirmada novamente e novamente desde o eclipse observado no Ceará que provou a curvatura da luz, até o retrato do buraco negro este ano. Mas se ele for discutir com qualquer um que não seja um especialista, vai vencer a discussão na base da retórica. Com a terra plana é a mesma coisa, é fácil confundir o adversário. O objetivo dele não é provar a terra plana, é demostrar como nos fiamos em conhecimento científico que não dominamos (o que é óbvio), e assim preparar o terreno para uma desconfiança da ciência mais geral.

A técnica de Olavo é bem mais refinada que a dos ministros seus discípulos. Ele não precisa afirmar categoricamente uma mentira - embora já o tenha feito amiúde. Neste caso, ele sequer precisa se comprometer com uma tese para combater a oposta. Cada um que vai defender a Terra redonda, só por fazê-lo admite implicitamente a possibilidade da Terra plana, e, ao perder a discussão travada na casa e nos termos de Olavo, comprova diante do público que, no mínimo, os defensores da Terra redonda não sabem do que estão falando. A conclusão não enunciada vem por inferência.

O que esta técnica tem em comum com a dos ministros é que os fatos não interessam. Não interessa Fernão de Magalhães e sua circum-navegação no século XVI; não interessa a medição da circunferência da Terra pelos gregos antes de Cristo, usando apenas trigonometria; não importam os satélites artificiais que sustentam a Internet usada para difundir estas bobagens. Importa que vencer uma discussão retórica e desonestamente criada causa o caos o suficiente para permitir outras ações - angariar discípulos para promover discursos bem mais perigosos, por exemplo. São processos de manipulação comunicacional a que as redes se prestam muito. Só entendendo como se dão é possível combatê-los, ou ao menos não cair neles.

--

--

Túlio Ceci Villaça
Túlio Ceci Villaça

No responses yet