Sobre o jogo do tu quoque
Agora que o episódio homofóbico do Maurício Souza acabou — ou melhor, ele foi alçado à posição de influencer e cogita entrar para a política — , o que chamou minha atenção foi um episódio lateral a este, que achei ainda mais ilustrativo da atuação fascista nas redes, que foi o ataque em massa ao Felipe Andreoli.
O Andreoli, para quem não lembra, é ex-CQC, humorista e hoje apresenta o Globo Esporte, o que serviu de ocasião para ele baixar o chanfalho na atitude do Maurício, com razão. Mas aí começa o jogo do tu quoque: pouco se viu defesas a Maurício nas redes afirmando que ele não é homofóbico — no máximo, defesas da sua suposta liberdade de sê-lo. Em vez disso, trataram de ir buscar nos seus críticos atitudes que pudessem ser equiparadas à dele. E no caso do Andreoli, deu bingo.
Felipe tem várias publicações homofóbicas, todas de dez anos atrás. Mais que suficientes para os propósitos de normalização da homofobia. Felipe primeiro fez pouco dos ataques, depois foi soterrado pelo volume e fez um mea culpa meio óbvio, já que há dez anos ele já tinha atitude diferente. Mas sua retratação, evidentemente, não fez nenhuma diferença, antes foi interpretada como capitulação. “Arregou”. E os fascistas cantaram vitória.
A tática de jogar no oponente a lama que o emporcalha pode ser primária, mas tem suas sutilezas. Porque, quando a esquerda acusa a direita de racismo ou homofobia, vai a reboque uma acusação de hipocrisia do discurso de “somos todos humanos”. Mas quando a direita devolve a acusação, a equiparação no racismo ou homofobia torna a acusação de hipocrisia a principal. O novo pressuposto é que somos todos racistas e homofóbicos, mas a direita assume sua condição e a esquerda a esconde. O que permite à direita reivindicar cinicamente uma condição de superioridade moral! E aí o jogo virou, a ponto de Maurício ter decidido processar todo mundo. Vai perder, mas isso é o que menos importa, o discurso está construído.
E tem mais: ao fazer isso, é possível à direita acusar o oponente de acusar o oponente de fazer o que ele faz — justamente o que ela está fazendo. Este jogo de espelhos é o que embaralha definitivamente as pedras no tabuleiro. A falsa frase de Lênin ainda é o principal pressuposto da estratégia fascista. Atribuí-la aos adversários é simultaneamente cumpri-la e escapar dela. O episódio Andreoli exemplificou este processo pela enésima vez. Andreoli reagiu mal e com atraso, mas vai sobreviver. Mas a metralhadora giratória está sendo carregada e retreinada. Este processo vai tornar a acontecer incontáveis vezes até a eleição. É preciso estruturar estratégias para o jogo do tu quoque, porque ele inevitavelmente será jogado. O importante é se o jogo será na casa do adversário ou na nossa.