Sobre o indiciamento

Túlio Ceci Villaça
3 min readNov 27, 2024

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A comparação das quase 900 páginas do processo do golpe de 8/1 com o processo do Lula é muito instrutiva em termos do que é uma prova e do que é necessário para uma condenação.

As provas apresentadas que levaram o Lula a ser condenado e preso eram do tipo: notícia de jornal em que o porteiro do triplex diz que o Lula pretendia comprar o apartamento; bilhete de pedágio em que um carro de propriedade do Lula ia para a parte da cidade onde ficava o triplex; contrato de compra e venda do triplex sem nenhuma assinatura. Não são metáforas, falo literalmente, era esse tipo de coisa. E, é claro, as delações sem nenhuma prova acompanhando.

No caso atual, em que o crime investigado é centenas de vezes mais grave, a quantidade de provas é avassaladora. Conversas e mais conversas planejando tudo em detalhes, especificando o papel de cada um, com anotações em Moleskine, tabelas, gráficos, memes criados por eles mesmos, minutas de decretos inconstitucionais, tudo tintim por tintim, impresso, auditável e fabricado pelos próprios acusados.

Mas tem duas coisas laterais que me impressionaram particularmente: uma, que o general Braga Neto estava se mantendo calado enquanto era acusado de querer dar um golpe de Estado. Mas quando foi acusado de querer dar um golpe dentro do golpe, ou seja, impedindo também o Bozo de assumir e dando o poder a uma junta militar, ele ficou furioso e divulgou uma nota desmentindo. Ora, quem estudou o Golpe de 64 sabe o quanto isso provavelmente era verdade.

E a segunda coisa é a expressão usada por um dos golpistas nas conversas: “Pode jogar no grupo dos malucos”, disse um dos policiais federais na ABIN paralela, referindo-se a uma das milhares de notícias falsas que eles produziram. Grupo dos malucos. Era assim que eles se referiam a quem estava dando suporte a eles, e estava corretos. Apenas omitiam que estas pessoas enlouqueceram graças a eles.

Não vai aqui nenhuma absolvição a quem se fascistizou. Por mais que a propaganda fascista saiba manipular as frustrações e os preconceitos de cada um a seu favor, os preconceitos estão ali. Eu tenho defeitos e frustrações como todo mundo, poderia ser cooptado, ninguém está livre. Mas não fui, e parabenizo quem não foi. E quem foi, tem de pagar por isso para, pedagogicamente, perceber as consequências do que se tornou.

Ainda assim, há uma diferença entre os proponentes do fascismo e seus seguidores enceguecidos. As conversas no relatório de indiciamento indicam que todo mundo ali sabia perfeitamente o que estava fazendo, a ponto de eles próprios dizerem “vamos acabar presos” uns para os outros. Eles todos se sabiam criminosos, não foram hipnotizados por ninguém, eles eram os hipnotizadores.

Esta diferença é importante, não apenas para as condenações (que virão, espero em Deus), como principalmente para as estratégias de reconstrução da sociedade, que precisam vir também. E que precisam começar sem esperar condenações. Assim como não basta deter o desmatamento e é preciso reflorestar, não basta deter a fascistização, é preciso desfascistizar. E isso não vai acontecer pela ação individual de filhos com pais idosos, é preciso ser ação institucional. Prisões serão apenas parte deste processo. Mas precisam vir também. Que venham, e não fiquemos nelas.

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Túlio Ceci Villaça
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