Sobre o impeachment

Túlio Ceci Villaça
3 min readNov 17, 2019

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Quero fazer um mea culpa. Há quase um mês, quando foi descoberto que Bolsonaro tomou para si uma prova do caso Marielle que poderia incriminá-lo, antecipando-se à polícia por ter sido avisado de um inquérito sigiloso, o clamor por impeachment tomou as redes sociais, e eu, ingenuamente, considerei que era inevitável que um pedido neste sentido fosse protocolado pela oposição. Afinal, nem sequer de um crime de responsabilidade se tratava, era crime comum mesmo — como se não houvesse uma dezena de crimes de responsabilidade já cometidos em meros dez meses.

Pois é, me enganei. OU talvez tenha sido enganado. A verdade é que há, sim, um pedido de impeachment entregue ao Rodrigo Maia, protocolado por uma Ong. E só. A oposição não fez nada neste sentido. O deputado David Miranda chegou a anunciar que proporia à oposição o pedido de impeachemt naquela semana, e nunca mais tocou no assunto. Ou mudou de ideia sozinho, ou foi convencido do contrário. A pergunta é: por quê?

Tenho um palpite. A oposição brasileira está na mesma situação dos democratas estadunidenses, que resistiram o quanto puderam a propôr o impeachment do Trump, e só o fizeram debaixo de uma tremenda pressão de seus eleitores, quando perceberam que perderiam votos se não tomassem uma atitude. Os líderes democratas achavam que os motivos do pedido — a um conluio com a Rússia para intervir na sua eleição — era complicado demais para o eleitor médio entender. Mas o motivo principal era a noção de que eles iam perder. Iniciar o processo na Câmara, onde os democratas são maioria, era fácil, mas terminá-lo no senado, onde Trump tem mais votos e onde são precisos dois terços, era quase impossível, e a avaliação deles era que, escapando na última votação, Trump ficaria fortalecido. E pensando assim, deixavam passar absurdo após absurdo do presidente, até que outra acusação, desta vez de conluio com a Ucrânia contra o opositor Joe Biden, foi o motivo da abertura do processo. E o resultado é que Trump está todo enrolado lá apensa na fase de inquérito, mesmo antes da votação da Câmara, 50% da população quer seu impeachment, e a possibilidade de reeleição dele diminuiu.

E aqui? Aqui parece que nenhuma ilegalidade que Bolsonaro cometa é suficiente para que um processo se inicie. Ele pode caluniar jornalistas como fez com Glenn Greenwald e Constança Rezende, pode ameaçar usos arbitrários de leis como contra o próprio Glenn e agora Lula, pode ter acesso a informações sigilosas de inquéritos contra seu filho e contra si mesmo, pode faltar com o decoro quantas vezes quiser, pode negar verbas a estados governados pela oposição, pode realizar perseguição ideológica a funcionários, pode impedir que investigações que o prejudiquem vão avante, pode ofender chefes de estado estrangeiros, pode inviabilizar políticas públicas, nada disso é motivo de impeachment, e a lista está incompleta. A oposição não se move além de palavras de ordem. Ciro e Lula brigam, trocam indiretas, cruzados e diretos, mas aparentemente nenhum dos dois permite que seus correligionários ponha na mesa do Nhonho o pedido singelo. Imagino que estejam com medo de desagradá-lo, já que o Rodrigo parece ser a única pessoa do legislativo que realmente consegue barrar alguma medida do governo…

Pois então quero deixar claro uma coisa: nenhuma destas pessoas me representa. Nenhuma. Nem Ciro, em quem votei, nem Haddad, em quem também votei, nem Lula. Ninguém enquanto não tiverem a coragem de colocar na mesa do Nhonho pelo menos meia dúzia de pedidos de impeachment. Rodrigo Maia se equilibra como o sujeito sensato na sala, então quero ver o que ele faz tendo de tomar esta decisão, se senta em cima de todos protegendo o governo ou se dá andamento. O governo nada de braçada comprando votações com emendas usando o dinheiro que não tem, destruindo direitos, e o Lula, em seu primeiro discurso ao sair da prisão, fala em 2022? Negativo. Pouco me interessam implicações políticas, sou um legalista, e quem comete crimes tem que ser punido, com o devido processo legal. Dilma caiu sem crime, e agora uma enxurrada de crimes não é suficiente? Esquece. Chega da síndrome de democratas. Impeachment já, pela democracia, ou então não contem comigo. Chega de palhaçada, de ambos os lados.

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Túlio Ceci Villaça
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