Sobre o Gleen, ainda e de novo
Quando o Gleen Greenwald trouxe a público as revelações da Vaza Jato, houve uma união natural da esquerda brasileira em torno do seu nome. Afinal, os fatos que ele traziam eram a confirmação escrita de tudo o que já se acusava a Lava Jato há anos, agora pela boca de seus próprios juízes e procuradores. Todos lembram do cataclisma, da tentativa canhestra de resposta dos fascistas (na época Moro e Bolsonaro eram um só, como dizia a esposa do primeiro) via Pavão Misterioso, os apelidinhos de quinta série como Verdevaldo… nada impediu que os fatos corressem seu curso e, anos depois, as ações criminosas desta gente fossem anuladas e a justiça fosse feita — ainda falta prender os ex-juízes e procuradores, verdade.
Mas aí o tempo passou e o Gleen, além de trazer à luz revelações tão importante, passou a ter os holofotes voltados a suas opiniões — e aí a porca torceu o rabo. Porque as posições dele, sempre voltadas a uma liberdade de expressão quase irrestrita, podem ser muito boas para quem vaza informações sigilosas de governos criminosos, mas são igualmente boas para quem faz apologia do racismo, do nazismo e quejandos. E aí não, aí ele está muito errado em defesas como a do Monark, e a mesma esquerda que o festejou tanto começou a perder a paciência com ele.
Digo tudo isso para introduzir um terceiro assunto, importantíssimo, relegado a segundo plano na época e ainda hoje deixado de lado, e que envolve tanto opiniões do Gleen quanto a revelação de fatos: O envolvimento do filho do Biden com a produção de gás na Ucrânia e o uso do nome do pai, à época vice do Obama, para conseguir vantagens lá.
Este foi o motivo, se lembram bem, de o Gleen ter rompido com o Intercept dos EUA, que ele mesmo fundou. Ele tinha um trato com o site de ser sempre publicado, mesmo não tendo mais ingerência no trabalho. Mas quando ele enviou um artigo sobre o assunto, logo antes da eleição de 21, não foi publicado. Ninguém queria tratar do assunto, todos queriam ver Trump pelas costas o quanto antes. Tornou-se proibido fazer marola, o que incluía perguntar sobre as relações escusas dos Biden lá do outro lado do mundo.
Trump, que falava no assunto havia tempo, tentou por sua vez forçar o governo ucraniano a fazer revelações sobre o assunto, usando o poder do governo para isto. E sofreu seu primeiro processo de impeachment por isso. Ele realmente cometeu um crime. Mas o que ele queria forçar a Ucrânia a dizer era aquilo que a imprensa americana e mundial se recusava a investigar.
Pois bem, um ano depois, temos a seguinte situação: o governo dos EUA desestabilizou o sistema político ucraniano, financiou milícias nazistas e empurrou a Rússia para uma guerra com o objetivo, entre outras coisas, de impedir o funcionamento de um gasoduto que iria da Rússia diretamente para a Alemanha sem passar pela Ucrânia, prejudicando a empresa da qual Hunter Biden, o filho participava. O Ocidente — ou melhor, os ricos — está unido, incluindo a Alemanha, que vai ter de se virar sem gás, contra a ameaça. E ninguém, absolutamente ninguém, pergunta mais porque o filho do Bider tinha assento no Conselho de uma empresa de energia, assunto do qual ele não entendia nada. Ninguém além do Gleen.
Então não me levem a mal, eu já debati aqui com quem considera a Rússia e seu expansionismo a grande vilã, com argumentos tão próximos do nazismo ao negar a um país ao lado o direito à soberania, e por quem culpa exclusivamente os EUA e seu braço longo (em português, big stick) chamado OTAN; eu mantenho-me considerando ambos culpadíssimos. Mas ainda que os comentários voltem a tratar dos mesmos assuntos, este texto não é sobre eles, é sobre o Gleen, para dizer que a gente devia continuar discordando dele toda vez que considerar necessário, mas deveria, em vez de cancelá-lo continuar atento aos fatos que o Verdevaldo possa nos revelar. Podem ser úteis no futuro.