Sobre o garimpo

Túlio Ceci Villaça
2 min readDec 14, 2021

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Há duas tentativas simultâneas de normalizar o garimpo individual em terras protegidas, pelo que ando entendendo — que é pouco. Por um lado, um projeto na Câmara os transforma em microempreendedores e de outro a Damares quer incluí-los na categoria de povos e comunidades tradicionais, ao lado de indígenas e quilombolas. Em ambos os casos, de algum modo, eles passam a ter direito de garimpar em área indígena, protegida, o diabaquatro.

Que isso é uma das centenas de ações deste governo de destruição do país, é evidente, e segue seu modus operandi mais tradicional, que é abrir a porteira para que criminosos atuem sem medo de serem pegos — no caso, legalizando o crime. Mas a obsessão do Bolsonaro e deste fascismo tupiniquim especificamente com o garimpo tem algo além.

É porque o garimpo traz em si inúmeras características deste fascismo: trata-se de um individualismo feroz e absolutamente predatório, e que não tem a menor preocupação com a destruição que deixa atrás de si, não tem nenhuma visão de futuro além do enriquecimento às custas do que estiver pela frente. Quem não viu reportagens sobre Serra Pelada, que foi o maior garimpo coletivo a céu aberto do mundo, vá procurar. Aquele é o ideal do bolsonarismo, o cada um por si, o Diabo na rua no meio do redemunho e Deus, se vier, que venha armado, com o perdão de Guimarães Rosa.

Tanto o estratagema da Câmara quando o da Damares são profundamente reveladores do pensamento deste fascismo. Para eles, o garimpeiro é mesmo um microempreendedor, porque empreender para eles é isso, arrancar tudo o que puder de um lugar e ir embora. E seu reconhecimento como povo tradicional é daquelas estratégias que ultrapassam todos os limites da desfaçatez — o que é comum para eles — mas também é muito sintomático. Ora, esta é a mesmíssima picaretagem dos brancos que tentam burlar cotas raciais autodeclarando-se negros. É a mesma tentativa de desmoralização da luta alheia pela inclusão do lobo no meio das ovelhas.

Quanto à tentativa simultânea das duas picaretagens, nem sei o que dizer. É provável que uma sequer saiba da outra e o que colar, colou. Mas de fato, para eles o garimpeiro é estas duas coisas. É um povo tradicional pelo primarismo com que eles entendem este conceito; e é o único tipo de empreendimento que eles conseguem conceber. E faz todo o sentido que o Bolsonaro tenha tanto entusiasmo pela, digamos, categoria: é exatamente o que ele está fazendo, tirando tudo o que pode da posição em que está, enquanto destrói tudo em volta. Um garimpeiro no sentido mais vasto possível, e o Brasil é sua cratera.

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Túlio Ceci Villaça
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