Sobre o fascista pacifista

Túlio Ceci Villaça
2 min readFeb 15, 2022

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A história de como Bolsonaro evitou a terceira guerra mundial está correndo solta. Na verdade, Bolsonaro está tentando fazer umas boas fotos para usar na campanha fingindo ter ainda algum prestígio internacional e Putin o está usando para espicaçar os EUA, reunindo-se com quem até um ano atrás corria atrás do presidente americano como um cãozinho — o outro presidente, de cabelo laranja.

Mas o mais interessante é o modo como a fábula do pacifista está sendo difundida, seguindo uma cartilha antiga do fascismo tupiniquim. Nem um só anúncio sobre os poderes pacifistas do fascista foi feito a sério. Todos foram feitos de associações gaiatas — uma notícia da retirada da Ucrânia acompanhada de uma foto de Bolsonaro e Putin apertando as mãos, por exemplo — e foto antiga, porque ele nem havia chegado ainda. Da mesma forma, os clamores por Nobel da Paz foram todos troça. Ninguém se compromete de estar falando sério.

E aí acontece o seguinte: a esquerda trata do assunto como se estivessem falando sério, e reproduz ridicularizando; e a extrema direita também trata do assunto como se estivessem falando sério, só que aí acredita. Tudo é veiculado como brincadeira, mas ninguém trata como brincadeira. Quem ri, ri porque acha que o outro lado está levando a sério, e assim entra em consenso com o outro lado, que realmente está levando a sério… E assim a coisa deixa de ser brincadeira para os receptores, sem que os emissores precisem ser responsabilizados, já que não passava de brincadeira.

Não é uma armadilha fácil de escapar, porque é um nó semântico na mensagem. Revela evidentemente a velha covardia dos tupifascistas (na verdade nem gosto de meter um vernáculo indígena aqui, os índios não merecem, mas vá lá), que não se atrevem a explicitar discursos que sabem ser criminosos (quando um otário como o Monark o faz, o mundo cai sobre ele), ficando neste terreno nebuloso em que podem sempre apelar para o “era brincadeira”.

Eles já são useiros e vezeiros desta tática, mas serão ainda mais este ano, porque a vigilância contra fake news promete ser real este ano. Em 2018 o país foi pego de surpresa por uma rede subterrânea de mentiras construída ao longo de anos. Agora, ao contrário, a vigilância é cerrada, ainda que muita coisa passe, porque é difícil coibir quem tem a caneta na mão.

Ainda assim, será muito mais difícil espalhar mentiras, especialmente porque boa parte dos eleitores que acreditaram há quatro anos hoje não têm a menor disposição em acreditar. Falar sem ser a sério vai ser uma das saídas deles, e é bom a gente se preparar para lidar com isto, porque seus alucinados, cada vez menos, vão acreditar, mas, da nossa parte, ao contrário do que pode mandar o senso comum, achar graça significa levar a sério, e levar a sério como crime é que é não levar a sério a mensagem.

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Túlio Ceci Villaça
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