Sobre o fascista e genocida — os termos
O não-debate sobre o uso da palavra genocida aplicado ao Bolsonaro me lembra aquele dito: se você mata uma pessoa, é chamado assassino; se mata um número suficiente, passa a ser chamado líder. No caso, se você mata uma população específica, é um genocida, mas se mata indiscriminadamente qualquer um, de qualquer população, então o termo não se aplica. Tipo, não se pode chamar franco-atiradores de snipers, porque os snipers miram antes de atirar.
Na verdade, me interessa mais entender por que, no meio da acusação de nove crimes, incluindo crime de responsabilidade (que enseja impeachment), crime contra a Humanidade (que enseja julgamento pela ONU) e charlatanismo (o que mais e melhor o define), há tanto pudor em reconhecê-lo como o genocida que é, assim como ainda há quem tenha pudor de admitir o evidente caráter fascista dele e de seus seguidores.
E o motivo é um tanto evidente: estas duas palavras estão carregadas de significados que as ultrapassam. Por mais que haja definições e delimitações para elas — ambas permanentemente em disputa -, seu uso significa um passo muito maior na escala de desumanidade do que simplesmente um grau a mais. Significa um passo sem volta, em que se abandona a esperança de retorno ou arrependimento. Admitir fascismo e genocídio é a última trincheira.
Isso é o que explica a ânsia em negar o uso destas palavras por intelectuais ou nem tanto com interesses inconfessáveis, políticos com interesses abertamente manifestos, jornais que se arvoraram contra o obscurantismo em determinado momento, sempre com tecnicalidades que podem servir para classificação legal, mas não para uma avaliação histórica que tenha vergonha na cara. Enquanto o filho do presidente informava com que tipo de gargalhada forçada seu pai receberia as acusações, ao mesmo tempo negociava-se febrilmente a retirada da palavra genocida do relatório.
Porque Bolsonaro não tem nenhum problema em ultrapassar todo e qualquer limite legal, desde sempre, isso é público e notório. A única coisa que o guia é a comunicação, a popularidade, e o caráter simbólico tem influência sobre ele mais que qualquer definição formal — e nisto talvez esteja sua única inteligência real, a de se aperceber da força simbólica das coisas e saber usá-las a seu favor sem nenhum escrúpulo de subvertê-las. Por isso, ele sabe que contra estas duas palavras não há defesa possível.
Houve quem afirmasse que chamar Bolsonaro de fascista e genocida causaria um desgaste destas palavras, por serem usadas sem acertarem totalmente o alvo. Ao contrário, meus amigos. A força destas palavras vem de bem antes deste fascismo genocida tupiniquim. Quem se desgasta com o uso delas é seu alvo, em especial por elas se aplicarem a ele de fato, muito mais que de direito. A retirada do termo genocida do relatório da CPI muda tanto sua condição de genocida quanto a condenação de Lula por Sergio Moro e o impeachment de Dilma mudaram suas condições de inocentes diante da História.
Os termos fascista e genocida são os que melhor definem Bolsonaro — além de charlatão, é claro — e os que mais o apavoram, porque no se pegarem em mais da metade da população, ele tem não apenas o fim de seu mandato assegurado, mas também sua prisão subsequente sem demora. Usemo-los sem moderação, assim como ele segue agindo sem moderação. Se vierem com tecnicalidades, sempre podemos dizer que se trata apenas de retórica, eles sempre fazem isso. Mas a história sabe se é ou não.