Sobre o discurso do Mark

Túlio Ceci Villaça
3 min readJan 8, 2025

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O discurso do Mark da Meta tem dois níveis. O que ele diz é relativamente desimportante. O que ele deixa de dizer é o que abre espaço para o que ele realmente vai fazer.

O discurso de liberdade de expressão é o que ele diz. Já a noção de liberdade de expressão que ele defende é igual, sem tirar nem por, à do projeto Escola sem Partido. Mas isso ainda é o que ele não diz. Um desavisado pode imaginar que a expressão de toda e qualquer opinião, de forma igualitária, é a democracia em seu supra-sumo.

Agora vamos ao que o Mark não diz. Ele não diz que as redes sociais não são a Ágora que um dia sonhou-se que seriam. As redes sociais são tão públicas quanto um shopping center, e um shopping center é um espaço ideologizado até a medula — no caso, a praça de alimentação.

No caso das redes sociais, a questão que vem sendo tratada, inclusive na legislação, é o direito de pessoas defenderem coisas indefensáveis — por exemplo, Mark diz que agora não é problema afirmar que homossexualidade ou transgênero são doenças mentais. Mas digamos que, em nome da liberdade da expressão, isso deva ser admitido. Está faltando uma palavra aqui, uma só, que Mark não pronuncia, mas que é a que rege tudo o que acontece numa rede social. ALGORITMO.

A partir do momento em que esta palavra é levada em conta, o debate muda radicalmente. Porque o algoritmo é que determina se uma publicação vai ter visibilidade ou não. Se alguém defende o assassinato do presidente numa rede social, está cometendo um crime. Mas se o algoritmo distribui esta postagem a milhares de pessoas, o criador do algoritmo é cúmplice. É isso que Mark não diz, e é dessa responsabilidade que ele quer se livrar.

E mais: inúmeros estudos e mensurações já demonstraram cabalmente que o conteúdo fascista é dezenas de vezes mais distribuído nas redes sociais do que os de defesa de direitos humanos, por exemplo. Por um motivo simples: o conteúdo extremista provoca reações, sejam positivas ou negativa, gera engajamento, traz pessoas para as redes e, em última instância, gera dinheiro para Mark, para Elon, para o dono da rede em suma.

O argumento da liberdade de expressão do Mark se resume a cada um escrever o que quiser. Na prática, o que ele defende é que ele seja o único a escolher o que cada um vai ler, já que ele tem o poder de impedir que uma postagem que o desagrade seja distribuída. A liberdade de expressão do Mark extermina a liberdade de informação.

Os livros de distopia 1984 e Admirável Mundo Novo apresentam duas maneiras muito diferentes de os donos do poder ditatorial em cada livro controlarem as pessoas. Em 1984, a vigilância é implacável, a censura é feroz e gera desaparecimentos, tortura e lavagem cerebral. Visto de longe, Mark parece um libertário revoltando-se contra este controle.

Já em Admirável Mundo Novo, tudo é mais sutil. Quem tem pensamentos e ações contra o sistema não sofre nenhuma violência direta, apenas é posto de lado. É colocado em postos e lugares onde não é ouvido por ninguém. Esta é a distopia de Mark. A Meta é uma empresa maior que muitos países. Por décadas, combatemos os monopólios dos meios de comunicação no Brasil, que só nos diziam o que queriam. Agora, temos uma ameaça de monopólio, que não nos proíbe de falar, mas pretende só nos permitir ouvir o que ele quiser, enquanto temos a ilusão da liberdade de expressão. Este é o perigo que corremos hoje.

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