Sobre o antídoto ao ódio
Vou dizer uma coisa desagradável. A esta altura do campeonato, nós continuamos lidando com o fascismo da maneira errada. Eu sei que não falta analista ditando regras pra tudo que é lado, mas deixe-me explicar. Nós, que temos ódio e nojo do fascismo, continuamos tratando-o como se este ódio e nojo fossem evidentes ao espírito humano. Não é.
Nós achamos evidente que o discurso fascista é horrível, e achamos por consequência que ele vai naturalmente afastar as pessoas dele. Isto não é verdade, já deu errado e pode dar errado de novo. Em 2018, eu vi 20 vezes os especialistas dizerem que Bolsonaro havia batido no seu teto nas pesquisas, e 20 vezes vi Bolsonaro furar o teto, até vencer a eleição (Sim, foi com a difusão massiva de mentiras, mas não é este o ponto, vou tratar disso adiante).
Acontece que nós continuamos acreditando na racionalidade inata do ser humano como fator preponderante para tomadas de decisão. Não é preciso ser publicitário como eu para saber que isso é um engano crasso. A imensa maioria das decisões da nossa vida, mesmo as mais importantes, são tomadas emocionalmente, por razões que a razão não conhece, e depois tratamos de achar ou inventar motivos pretensamente racionais para elas. Isto é para tudo, para comprar um carro, para escolher carreira. E para a política mais que tudo.
Isto não serve apenas para o fascista que você quer menosprezar. Serve para mim e para você também. Podemos escolher ser de esquerda por empatia, por algum senso vago de justiça, ou por criação ou outro motivo qualquer. As razões chegam bem depois dos motivos, elaboradas ao longo do tempo. A pessoa que adere ao fascismo poda fazê-lo por má índole, mas também por preconceitos não admitidos dos tipos que todos temos por frustrações pessoais, por criação. Assim como nós. E a elaboração deles vem depois, bem depois, quando vem, assim como nós.
Digo tudo isso para que paremos de achar que o discurso fascista repele as pessoas, que o fato de Bolsonaro falar para seu nicho impede que conquiste novos adeptos. Não, não impede, ao contrário, é sua arma. Ao fanatizar mais e mais seus adeptos, ele insemina um vírus que se espalha. Seus adeptos são prosélitos que trabalham muito mais que nós pela causa, porque são fanáticos.
E o discurso desconexo de Bolsonaro não afasta seu público, será que quatro anos depois não aprendemos isso? Os discursos de Hitler já foram exaustivamente analisados, eram longos, chatos e desconexos, mas levavam a multidão ao delírio no final, sem que soubessem bem por quê. E não, Hitler não era um gênio da oratória, ele foi por anos e anos o maluco da cervejaria, que subia no banco para discursar e era ridicularizado por todos. Igualzinho o nosso fascista. O que aconteceu foi que o vírus da loucura e do fanatismo, em algum momento, encontrou terreno fértil, e virou epidemia.
Não estou dizendo isso por causa da eleição apenas. Existe um trabalho de desnazificação que vai durar anos, talvez décadas. Quero muito que comece agora, espero que sim, estou trabalhando por isso. Mas para isso é preciso reconhecer o que acontece e seus mecanismos. E o que acontece é que a radicalização do fascismo não é um ponto contra ele. Ele não se guia pelas regras do pensamento comum nem muito menos da política. Bolsonaro não ganha adeptos quando modera seu discurso, é o contrário. Quando ele é mais abominável é que ele fascina o público.
E como combater isso? Ora, pela emoção. Pela lembrança da vivência passada, pela falta dos entes queridos, pela esperança num futuro melhor. Poucos sentimentos são mais fortes que o ódio, mas eles são a única forma de enfrentá-lo de igual para igual. O ódio coletivo desperta, além de tudo, um sentimento de pertencimento que o fortalece imensamente. Só criando um pertencimento contrário é possível se contrapor a ele, um pertencimento de coletividade, de sociedade. Isto não é um conselho moral, é técnico, de um publicitário falando. É o caminho possível para a campanha do Lula, mas é também o caminho para sairmos deste buraco.
Há uma multitude de obstáculos sociais, econômicos, de classe, religião etc. a isso. Mas é o caminho que existe. Não é pelo chamado à razão que se retornará á razão. É neste sentido que devemos usar as armas do fascismo contra ele. Antes de tudo, é preciso parar sua expansão. Estes são os dias decisivos. Vamos lá.