Sobre Moro e o Caixa 2
Caixa 2 é pior do que corrupção, Caixa 2 é crime menos grave, Caixa 2 está no Pacote contra o crime, Caixa 2 está na terceira fatia do Pacote. A mudança no tom do Ministro Moro virou piada, e com justiça, que é a sua pasta. Tem mais de um motivo, mas reflete principalmente como seus objetivos imediatos o levaram a distorcer a lei e sua interpretação, e como neste momento ele continua fazendo isso.
Antes de tudo, é preciso dizer que Caixa 2 não é mesmo corrupção. Porque corrupção é, tecnicamente, desvio de dinheiro público ou favorecimento de uma empresa mediante propina (o que causa prejuízo de dinheiro público). E Caixa 2 (no âmbito das campanhas eleitorais) é quando uma doação não é contabilizada. Ou seja, são coisas diferentes, que podem ou não estar imbricadas. Por isso corrupção é crime previsto no código penal, enquanto caixa 2 em princípio tem como consequência a impugnação da candidatura beneficiada ou cassação da chapa eleita, este na justiça Eleitoral, aquele na Comum. Aliás, é bom lembrar que em 2015 Dilma Roussef mandou um Pacote para o Congresso criminalizando Caixa 2 e prevendo até confisco de bens. Mas houve o golpe, e o governo Temer sentou no projeto para nunca mais.
Mas aí vem o uso político de um e outro, que faz com que um seja mais ou menos grave que o outro. No julgamento do chamado Mensalão, por exemplo, ficou claríssimo que o que tinha havido era Caixa 2, uso de doações não contabilizadas para pagar as dívidas de campanha do PL, partido do vice de Lula. Mas isto, ainda que eventualmente pudesse ser usado atá para cassar a chapa, não era suficiente para prender ninguém. Então descobriu-se que parte do dinheiro tinha ficado algum tempo no Banco do Brasil, numa aplicação em que havia dinheiro público também — que não foi sacado depois. Foi o suficiente para transformarem o Caixa 2 em Corrupção, alegando que não se podia diferenciar o dinheiro do Caixa 2 do público, e, pelo famigerado Domínio de Fato, incriminar todos os que tinham assinado algum papel — aliás, não todos, apenas os ligados ao PT. Os demais não foram sequer indiciados.
Moro passou a ter especial interesse no Caixa 2 na Lava Jato porque era um modo fácil de implicar quem ele quisesse. Afinal, além de o caixa 2 ser uma prática generalizada, as empresas acusadas de favorecimento contribuíram com praticamente todas as campanhas de todos os partidos, bastava escolher o político que se queria pressionar ou o executivo que se queria que delatasse alguém, e prendê-lo preventivamente até ele concordasse em denunciar quem se queria que fosse denunciado. Moro foi useiro e vezeiro desta tática, indo de peixe em peixe, e eventualmente soltando os delatores depois de terem feito seu serviço, praticamente deixando de lado as acusações contra eles.
Só que agora é diferente. O presidente eleito que o fez ministro é beneficiado direto de caixa 2 em sua campanha, conforme foi denunciado ainda durante a campanha. Empresas de sua campanha compraram com dinheiro não contabilizado pacotes de mensagens em massa para divulgar propaganda e fake news. Caixa 2 duplamente qualificado, porque além de não registrada, a doação veio de uma empresa, o que já se tornara proibido. A Polícia Federal foi acionada, mas não deu mais notícia. Já eleito, seu principal articulador político e ministro da Casa Civil admitiu ter feito caixa 2 em suas campanhas. Moro declarou que mantém sua confiança no colega, uma vez que ele admitiu e pediu desculpas. Crime menos grave, afinal. O inquérito foi enviado para a Justiça Eleitoral.
E não é que exatamente o Onix Lorenzoni é o responsável pelo fatiamento do Pacote do Moro, e a decisão de deixar a criminalização do Caixa 2 para depois? Que coincidência. No fundo, é exatamente a mesma estratégia da Reforma da Previdência, que em sua primeira parte trata de reduzir as pensões de idosos a menos de um salário mínimo, prometendo tratar depois da previdência militar, responsável por uma parte enorme no alardeado deficit. É a conhecida promessa “Na volta a gente compra.” Tem gente que cai.
E para completar, cai um ministro, e outro é acusado de desviar dinheiro público, de financiamento de campanha para candidatos laranja, e muito provavelmente para pagar o aluguel do partido que possibilitou a candidatura do presidente! Isto não é mesmo Caixa 2, é corrupção e lavagem de dinheiro. Por tudo isso, não é nada difícil entender porque Moro mudou de posição sobre o Caixa 2 — assim como sua vista grossa sobre estas outras acusações, ainda mais graves — ou menos, depende da época. Na verdade, sua postura sobre o assunto sempre foi a favor de sua conveniência. Caixa 2 é crime para Moro, desde que o acusado seja quem ele quer prender. Se for seu chefe, deixa para lá.