Sobre liberdade nas redes sociais e independência do Banco Central

Túlio Ceci Villaça
3 min readOct 26, 2021

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Depois do Facebook e Instagram (que são o mesmo), o Youtube também tirou do ar a live do Bolsonaro em que ele afirmava que a vacina contar covid dava Aids, e ainda suspendeu por uma semana — o que nos livra da live da semana que vem. O Twitter não excluiu, só botou o aviso de que é mentira. Isto gerou um protesto gigante de fascistas com o argumento “primeiro censuram seus adversários, depois será você”. Pausa para rir, mas o que eu queria dizer era que isso tem tudo a ver com… a independência do Banco Central.

Suspense feito, vamos lá. A independência do BC é daquelas lendas do liberalismo, tipo cobrar a bagagem faz a passagem aérea baixar e cortar aposentadoria vai gerar empregos. No caso, o que se afirma é que, sem a interferência do governo, o BC tomaria só decisões técnicas, não “populistas”, e portanto melhores para o país.

Quer dizer, se eu retirar os representantes indicados pelo governo eleito, e portanto representantes da população, e só deixar os indicados pelo mercado, ou seja, a elite econômica do país, o BC vai tomar decisões melhores para a população. Entendeu? Não existe BC independente, é tipo Papai Noel e almoço grátis. O BC é um jogo de forças, e a defesa de sua “independência” é uma força pedindo para a que aponta em outra direção se retirar. Basicamente um desregulamentação, em que os ricos querem que o governo não atrapalhe seus lucros. Nem preciso dizer que decisões técnicas em economia são outra lenda, já que há inúmeras correntes econômicas que apontam para decisões diferentes para as mesmas questões.

Isto é comprovado pela enésima vez pelo áudio vazado do banqueiro André Esteves, que foi consultado antes de o BC subir os juros (e em muitas outras ocasiões). A dependência deste governo é tão grande que, numa entrevista na véspera, o Paulo Guedes errou duas vezes o nome do seu novo secretário, chamando-o pelo nome do banqueiro. Isso é mais que ato falho, é entrega do ouro mesmo. A ingerência no governo nem é novidade (o Moreira Salles do Unibanco foi ministro da Fazenda do Jango!), incrível é a subserviência do governo.

Mas ok, e o que raio isso tem a ver com as redes sociais e a liberdade de mentir defendida por um influencer com nome de bicicleta (e não é Caloi)? Numa palavra: Re-gu-la-ção.

Ora, realmente é um absurdo que as redes sociais, que são empresas multinacionais poderosíssimas, tomem para si o poder de decidir quem está mentindo ou falando a verdade, e isto já causou exclusões e punições injustas. Daí a tentativa de apropriação do discurso de esquerda pelos fascistas (“o próximo pode ser você”). Ora, assim como no caso do BC, o clamor por liberdade dos neoliberais, e neste caso dos fascistas, na verdade não é por liberdade, mas apenas que saiam da frente de sua sanha de destruição.

Ah, mas a definição de verdade científica, toda notícia é o viés de um fato… ora, relativização tem limite, pessoal. Ninguém disse que tem uma decisão técnica inquestionável (olha outro ponto em comum). Mas é preciso sim o estabelecimento dos limites. A regulação da mídia foi o tabu dos governos de esquerda brasileiros, taxados de anátema pela própria mídia, e demorou tanto que agora a urgência é outra, é preciso regular as redes sociais, e estabelecer regras para todas — incluindo as que se recusam a estabelecer regras como o Telegram.

Porque para cada vídeo excluído por propagar mentiras patentes, há dúzias que continuam no ar — e gerando dinheiro para seus autores sem que estes sejam responsabilizados. E isso sem contar as diversas denúncias e pesquisas indicando que os algoritmos de Facebook, YouTube e agora também Twitter impulsionam com muito mais potência conteúdos de extrema direita que de esquerda, pelos motivos óbvios: geram escândalo, e portanto mais engajamento e mais lucro.

E sabe quem tem condições de estabelecer e fiscalizar estas regras? Uma pista: é o mesmo que tem a obrigação de participar das decisões do Banco Central. E não, este não é o André Esteves.

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Túlio Ceci Villaça
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