Sobre Junho/13, ainda uma vez

Túlio Ceci Villaça
3 min readJan 6, 2023

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Já vão 100 horas de governo, a lua-de-mel com a imprensa já está acabando (100 dias é pra governo neoliberal) e um caminhão de medidas já está sendo tomado nesta largada, a maioria absoluta para começar a reverter a destruição institucional feita pelos hunos e vizigodos (com a devida vênia aos pobres bárbaros pela comparação com essa nossa turba). Mas eu ainda queria falar de um aspecto da vitória e deste governo que se inicia, que tinha me passado despercebido e me foi iluminado pela entrevista do Moysés Pinto Neto para a Usininos (que pode ser lida aqui): o de que se trata, finalmente, 10 anos depois, de uma resposta à altura a junho de 2013.

Relembrando rapidamente: junho de 2013 começou contra um aumento de passagens de ônibus, liderada pelo Movimento Passe Livre, que defende transporte público gratuito. Porém, rapidamente evoluiu para uma montanha de reivindicações, muitas delas contraditórias entre si e dividindo a mesma rua, até chegarem a um ponto de anomia em que a maioria absoluta dos manifestantes não sabia dizer o que reivindicava além de generalidades como “um país melhor”. Neste ponto, o MPL se retirou e militantes de partidos políticos começaram a ser hostilizados. As manifestações murcharam, para ressurgirem meses depois já cooptadas pela direita e contra o governo do PT.

Aí temos um porém. Desde aquela época, meu diagnóstico de junho/13 é de que ele foi causado, fundamentalmente, por uma crise de representatividade que surgiu, em boa parte e ironicamente, por mérito do PT, que levou o país à beira de um novo patamar econômico e social, mas fio incapaz de dar o passo seguinte de inclusão. Um passo que exigiria uma escuta social que Dilma não teve. Ela chegou a chamar grupos sociais para conversar na época, mas não levou avante a escuta da sociedade que clamava por uma atenção governamental maior que a dada até então.

Numa leitura superficial, seria uma melhoria e universalização de serviços públicos, indo desde o transporte estopim de tudo até moradia, saúde educação, segurança. Ocorre que muitas desta coisas foram abordadas pelo governo do PT com bastante sucesso. Mais Médicos, fortalecimento do SUS, abertura de universidades, Fies, Minha casa minha vida, e mais Cisternas no Nordeste, Luz para todos. O buraco era mais embaixo. O que eles queriam então?

Eles queriam o que o governo que se inicia acaba de prometer com a subida na rampa. Queriam se sentir no centro das decisões, indo além de serem bem governados. Queriam mulheres, pretos, índios, deficientes não apenas sendo respeitados, mas estando lá dentro, participantes e decisores. Queriam, mas não sabiam. Sabiam apenas que o governo até aí, por melhor que fosse, com salário mínimo em ascensão, desemprego baixo e poder de compra alto, ainda assim não os representava. Não o suficiente. E diante da recusa de compreensão deste governo — uma parte do PT detestou junho/13 e ainda hoje o considera uma conspiração internacional ou algo assim, a fera sem cabeça que saiu à rua sem compreender bem o que queria voltou-se contra ele e escolheu o seu oposto completo, o pior possível.

Por anos foi cobrada uma autocrítica do PT. Não importa que inúmeras vezes o partido tenha reconhecido erros — os erros que se queria confessados em geral eram seus acertos que desagradaram adversários. Importava que, tendo a oportunidade de voltar ao poder, ele percebesse a necessidade de dar um passo à frente, mesmo tendo um país inteiro para reconstruir. Mas reconhecer que o país que precisa ser reconstruído não é o de 2016. É preciso aproveitar estas ruínas para construir fundações novas, construir uma nova representação. Isto passa por muitas instâncias, uma delas talvez fosse uma reforma política que dificilmente acontecerá. Mas passa principalmente por uma relação nova entre governante e governado, que inclui a comunicação, tão usada pelos fascistas, uma prestação de contas direta e um ouvir o que a população tem a dizer — as populações, em suas diferentes representatividades.

É este o grande desafio deste governo, que chega com uma expectativa muito alta. É mais, muito mais que reverter o estrago. É finalmente dar aquilo por que Junho de 2013 ansiava, avançar na democracia, não só recuperá-la. É uma oportunidade de ouro, mas não vai ser fácil, porque a chamada velha política está aí também e em boa parte faz parte da aliança que chegou ao poder — como sempre esteve. Mas o que foi feito nestas primeiras 100 horas, que já desagradou tanto a imprensa que cevou o fascismo e depois teve de ajudar a nos livrar dele, me parece bastante animador. Estejamos atentos e participemos, cobrando e pressionando. É isso que queríamos, não? Então façamos por onde.

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Túlio Ceci Villaça
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