Sobre Guerra cultural e prêmios de consolação
Democracia em Vertigem indicado ao Oscar! Mas Democracia em Vertigem deturpa os fatos propagandeia a narrativa do PT. Mas Democracia em Vertigem vai contra o governo fascista e despertou a fúria dos golpistas. Mas Democracia em Vertigem é o relato de uma elite dissociada da realidade. Mas Democracia em Vertigem dá visibilidade à oposição a este governo no exterior. Mas Democracia em Vertigem…
Mas Democracia em Vertigem é apenas uma vitória moral contra um governo que está controlando MEC, Casa Rui Barbosa, Fundação Palmares, Ibama, Funai, Iphan, Biblioteca Nacional, Inep, Ancine, Funarte etc. por meio da colocação de energúmenos obscurantistas em todos estes postos — sem falar dos ministérios. Mas Democracia em Vertigem é a resistência possível contra estas ações de destruição, mostrando que a cultura está viva. Mas Democracia em Vertigem…
Esta discussão evidentemente não tem fim, porque nenhum dos lados está disposto a deixar de demonizar o outro. Ou no mínimo, como disse o Acauã, “Não perdoo o crente por me fazer defender o filme ruim do Porta dos Fundos, nem direita por me fazer torcer por propaganda esquerdista meia boca no Oscar.” Mas então qual é a real importância destas vitórias morais, destas mini-vitórias simbólicas? Elas não param o rolo-compressor de destruição do governo, isto é certo. São então uma espécie de meme “Já acabou, Jéssica?”, em que a esquerda levanta para apanhar mais? Ou são apenas uma distração para que o derrotado tenha uma ilusão de vitória?
Tenho para mim que a pista está não na reação da esquerda, dividida e auto-combativa, como de costume, mas na reação da direita. O siricotico do perfil do PSDB no Twitter passando recibo sobre recibo à indicação de Democracia em Vertigem, indica que o tema é, sim, caro. Ah, mas o PSDB não conta mais. Então falemos do próprio presidente e seus filhos, desdenhando com os mesmos argumentos e acusando o Oscar de comunista, como fazem com qualquer um que os desagrade. Eles deram real importância. E por quê?
Porque eles sabem o que importa para eles, e o que importa para eles é menos a pauta econômica — que segue incompetente — ou o combate à corrupção — pausa para rir. Ao contrário, tudo o que sempre importou para a camarilha ora no poder é a pauta simbólica. É ela a atacada diuturnamente em todos os quadrantes. O ataque à Lei Rouanet se deve à característica simbólica da arte, o ataque às instituições culturais, à educação, se devem fundamentalmente às suas capacidades de gerar símbolos que não podem ser controlados pelas redes sociais, robôs e memes a soldo do governo. Se há uma coisa que este governo tem absoluta consciência, é esta, e possivelmente é só esta mesmo. A guerra que ele trava é cultural, e ele sabe que é com ela que ele conquista corações e mentes para si — e o resto vem por decorrência.
E então, quando a oposição a este regime consegue uma vitória simbólica não falta quem pretenda desqualificar esta vitória porque ela não se dá integralmente como preferiria. Pois o especial do Porta dos Fundos é, no fundo, homofóbico e o Gregório é um chato, pois Democracia em Vertigem é ruim, a narração é chata etc. basicamente, não são da esquerda que eu sou, então não valem. Ou não serem para nada, pois a Reforma da Previdência passou… ou, no limite, a Vaza Jato sendo praticamente responsabilizada pela não queda do Moro.
Isto não significa, evidentemente, endosso absoluto a qualquer coisa só porque ela embarace o fascismo. E muito menos significa a caça de qualquer coisa que possa se parecer com uma vitória moral. No fim das contas, importa muito pouco se o Gabigol cumprimentou o Witzel, convenhamos. Mas importa muito que um filme brasileiro seja indicado ao Oscar, e não é preciso mudar uma vírgula das críticas tanto ao filme quanto ao Oscar, críticas fundamentadas. Apenas não desqualificantes. De desqualificação, bastam as que vêm do outro lado da cerca.
Uma coisa que me parece faltar na compreensão de quem se opõe a este regime, em suma: que é na guerra cultural que ele se baseia. Desdenhar do poder do simbólico, em especial da parte de quem lida com o simbólico da arte e da linguagem, me parece um absurdo, um desperdício de forças. E não me parece que estejamos em posição de abrir mão de nenhuma força a nosso favor. O simbólico é o nosso ambiente, precisamos saber combater nele mais e melhor. E não duvido que é por meio dele que o fascismo será derrotado. Desde que paremos um pouco de combater uns aos outros. Será que conseguimos?