Sobre dois humoristas

Túlio Ceci Villaça
2 min readSep 16, 2021

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Um jantar na casa do Naji Nahas em homenagem ao Temer, com a presença do dono da Band, do Kassab, do Roberto D’Ávila. Só isso já seria um retrato da nossa oligarquia picareta e venal, que define os destinos do país há séculos, não precisaria de mais nada. Mas a imitação do Bolsonaro, vazada de propósito, ressalta ainda mais o desprezo absoluto tanto por quem está nominalmente no poder quanto por tudo e todos que não seja eles próprios.

Mas isto já foi dito, o que eu queria enfocar aqui é o contraste entre a imitação do Bolsonaro feita no rega-bofe e uma outra, feita dias antes. A do jantar foi feita por um humorista influencer, filho de um grande cabo eleitoral do Bolsonaro e rompido com ele; e a anterior, por Marcelo Adnet. E não poderiam ser duas imitações da mesma pessoa mais diferentes entre si.

Porque a imitação do Adnet foi o que é o humorismo em sua essência, um meio de interferir na realidade, de atuar criticamente, de inverter as expectativas e desnortear o espectador. Sua imitação sobrepunha-se ao audio de Bolsonaro que pedia para os caminhoneiros desfazerem os bloqueios, e pedia, em vez disso, que eles mantivessem os bloqueios e dançassem a macarena. A inserção do elemento absurdo explicitou o absurdo da situação, em que Bolsonaro pedia algo tão contrário a tudo o que pregava que seus destinatários não conseguiam acreditar.

Já a imitação do influencer filho do ex-cabo eleitoral era até tecnicamente mais perfeita. Mas, ao contrário, era um modelo de subserviência… nem digo de subserviência, porque o autor não era um mero bobo da corte, como se comparou, mas o herdeiro de um dos integrantes da mesa, herdeiro das picaretagens, das venalidades. Um deles.

E o conteúdo era igualmente inofensivo. A imitação das bravatas do Bolsonaro ali não tinha qualquer contundência, nem mesmo a menção a colocar um ministro do STF no pau de arara, porque não havia qualquer reprovação implícita, nenhuma indicação de que aquilo fosse absurdo. Bolsonaro não estava sendo ridicularizado por se fascista, mas apenas por ter perdido uma parada na semana anterior.

De um lado, ultrapassar o discurso fascista pelo absurdo para demostrar seu ridículo; do outro, a mera reprodução explícita de seu discurso — pois ele já disse coisas do mesmo quilate que aquelas várias vezes — e que afinal corresponde a tudo o que já garantiu o poder aos integrantes daquela mesa, sem que eles precisassem sujar as mãos desde seus pais e avós, e passando a seus filhos, que já têm permissão para sentar à mesa e até contar piadas.

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Túlio Ceci Villaça
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