Sobre como cavar a própria cova

Túlio Ceci Villaça
3 min readMay 15, 2019

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Vendo a sequência de acontecimentos políticos e econômicos que culminaram nas manifestações de hoje, lembro daquele clichê de desenho animado em que o sujeito corta com um serrote um círculo em torno dele mesmo no piso do segundo andar. Vejamos:

- O grande motivo para o corte de verbas do ensino público (não vamos fingir que é só a Universidade, é também Pedro II e o Fundeb) é a PEC do Fim do Mundo, que limitou os gastos pelos próximos vinte anos.

- Bolsonaro se declarou contra esta PEC, disse que era um absurdo. Aí foi a um jantar com o Temer, e mudou o voto sem dar maiores justificativas.

- Agora o governo não tem dinheiro mesmo, porque cortou de si próprio a capacidade de se endividar para sair de uma crise de liquidez. Ele se proibiu de injetar dinheiro no mercado para reativar a economia.

- Quando o Brasil enfrentou uma crise semelhante no governo Lula, ele não teve dúvidas: mandou o BNDES aumentar os empréstimos, em vez de diminuir — a chamada ação anti-cíclica. Com a injeção de dinheiro no mercado via financiamentos, ele chegou aos consumidores via salários, movimentou o comércio, a roda da economia voltou a girar e a crise virou marola.

- Hoje a postura é exatamente a inversa: os financiamentos despencaram, e com isso o consumo despenca, a economia entra em recessão e o governo arrecada ainda menos. É o círculo vicioso.

- Ah, mas o BNDES está tendo lucros todo mês. Claro, é o dinheiro dos empréstimos realizados nos governos anteriores que está voltando. Como não sai dinheiro nenhum e só entra, o balanço é uma maravilha, só que destrói o futuro. E como o governo segue a cartilha do Temer de mandar o BNDES fazer devoluções monstro ao Tesouro, na prática o governo tira dinheiro de circulação em vez de colocar. E pior, usa este dinheiro para cobrir o seu deficit, o que significa que na prática o governo Bolsonaro está se sustentando precariamente até agora graças às ações do governo do PT…

- Aí vem o Posto Ipiranga no Congresso e pede autorização para burlar a PEC que o Bolsonaro ajudou a aprovar em mais de 250 bilhões. Se não houver aprovação, o governo comete crime de responsabilidade - não fictício como a Dilma, que recolocou o dinheiro no lugar em seguida, mas de verdade. E eu já disse que o governo não move uma palha para aprovar suas propostas? Ah, não disse, mas vou dizer daqui a pouco

- Resultado: junte-se isso com a ideologização e fanatismo anti-científico olavista que domina a mente do ministro da educação, e temos o corte na educação pública. Ou seja, o governo fechou todas as portas para si mesmo e agora diz que não tem outra saída.

- Ah, e para a classe média que estuda em escola pública e achou um absurdo estas apoiarem a paralisação, saibam que o Posto Ipiranga também propôs ao Congresso que gastos em saúde e educação não sejam mais deduzidos do Imposto de Renda. Vão ter que pagar tudinho. Esta mamata vai acabar! Será que com o calo doendo vocês resolvem se juntar aos protestos?

- E o pior, aí o governo vem tentar nos convencer que, se a Reforma da Previdência for aprovada, tudo vai se resolver. Ora, a economia prevista pela Reforma já está sendo reduzida nas primeiras negociações, e, conforme eu avisei que iria dizer, o governo não move uma palha pela aprovação. Afora isso, é uma economia prevista para ocorrer em dez anos, e quase nada no primeiro, até porque há um grande custo para sua implementação, e ainda há a, regra de transição, que é progressiva e impacta pouco no começo.. A noção de que com a Reforma o corte de verbas será revertido em setembro é pura mentira, pois, mesmo que a Reforma fosse aprovada integralmente mês que vem, a economia este ano seria zero. Não passa de conversa para boi dormir.

Ou seja, trata-se de um governo que trabalha ativamente para derrubar a si próprio. Ou melhor, um governo que não tem a menor chance de dar certo. O que não significa que não devamos nos preocupar. Na verdade, quanto antes ele não der certo, melhor. Algo me diz que ele já terminou de serrar mais da metade do círculo embaixo dele, e está se esforçando bastante para completar sua tarefa. Não custa ajudar.

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Túlio Ceci Villaça
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