Sobre assassinatos de reputação

Túlio Ceci Villaça
3 min readMar 11, 2019

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A atribuição de intenções é um dos meios mais comuns de argumentação destrutiva. Toda hora e vê um político que, acusado de alguma coisa, diz que “estão tentando me derrubar”, e tenta nos convencer que a intenção pérfida de inimigos é suficiente para comprovar que suas acusações são falsas. Claro que isso frequentemente inclui a criação destes inimigos.

A coisa muda de figura quando deixa de ser um recurso de retórica para ser usado não apenas sistematicamente, mas de forma organizada e premeditada com o objetivo de assassinar reputações, com a inclusão de linchamentos digitais. E se para isto se usa informações falsas ou distorcidas, entramos no terreno da calúnia pura e simples. Aí não se trata mais de oratória, estamos no terreno criminal. E se um presidente da República o faz, isto é motivo sério para impeachment, ainda mais do que a difusão de pornografia.

A acusação falsa sobre a jornalista Constança Rezende se enquadra neste caso, e é muito claramente uma ação organizada. Começa com um texto no blog de um cineasta marroquino num jornal francês, em que ele publica uma conversa de Constança, em que esta diz algo já sabido por qualquer pessoa de bom senso: que as acusações de desvio de verbas de assessores de Flávio Bolsonaro têm quase certamente envolvimento do pai e podem levar a um impeachment.

Então a engrenagem de moer reputações se põe em movimento: uma assessora de um deputado do partido do presidente escreve em um site conservador um artigo afirmando que, da conversa em inglês publicada no site francês, há a afirmação de Constança de que ela “quer arruinar Bolsonaro”. A afirmação não está lá e não foi feita, mas isto interessa pouco, quem é que vai verificar?

E aí vem a terceira parte, que é dar visibilidade a esta publicação quase invisível. E a isto se presta o próprio presidente, que tuíta o artigo da assessora. E daí segue-se o movimento de manada na direção indicada pelo líder, a invasão de seus perfis digitais por centenas de agressões verbais e ameaças, inclusive de morte.

A bem da verdade, nada neste procedimento é novidade. Está sendo feito sistematicamente desde a campanha, e se tivesse merecido atenção das autoridades então, Bolsonaro sequer teria continuado candidato. No caso em pauta, o próprio jornal francês já desmentiu as acusações feitas à jornalista. Mas os acusadores pouco se importam, o objetivo não é comprovar veracidade de nada, mas calar adversários. Assim como afirmou serem falsos itens de seu próprio programa de governo, Bolsonaro é capaz de desmentir publicações do próprio Diário Oficial, e muitos de seus seguidores acreditarão. O pretexto sequer precisava ser verdadeiro e também não precisa perdurar, mas apenas as ameaças.

Estas sim, continuam, e os alvos são cada vez mais. Jean Wyllys, Anderson França, Márcia Tiburi, Débora Diniz, estes já deixaram o país em virtude de ameças seguidas às suas vidas, todas detonadas digitalmente e parcamente investigadas. Mas não se pode dizer que ele não avisou: durante a campanha Bolsonaro foi taxativo em ameaçar seus opositores com a prisão ou o exílio. Para isto, conta com dois elementos: uma equipe de assessores, paga com o dinheiro público (durante a campanha foi com Caixa 2) para difundir mentiras; e uma milícia virtual disposta a praticar violências diversas em seu nome. Este esquema criminoso de difamação e promoção do ódio precisa ser desmontado, pela sobrevivência da democracia. E, mesmo que o caso de Flávio Bolsonaro não fosse caso de impeachment do pai, este sem dúvida é.

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