Sobre as duas Frentes Amplas
Eu estive na posse ontem. Não entre os que viram in loco a cerimônia, que enfrentaram fila e revista. Fiquei, como a maioria, na área dos shows e vi tudo pelo telão. Os shows foram transmitidos, então não tenho muito a dizer que não tenha sido já visto e comentado. A destacar, a delicadeza do Lula que, já às 11 da noite, passou no palco para nos dizer uma palavra pessoalmente, ele, Janja, Alkmin e Lu.
Mas a simbologia do grupo que lhe entregou a faixa foi, sem dúvida, mais forte e impressionante que seus dois discursos, estabelecendo um parâmetro ambicioso e reconfigurando a própria expressão Frente Ampla. É preciso agradecer ao covarde que, fugindo do país, lhe deu a oportunidade de fazer este gesto. E que seja a última vez que se fala neste pulha.
Desde a eleição, dois assuntos dominaram o debate, à parte os alucinados nos quartéis: a formação do ministério contemplando os integrantes da ampla aliança democrática, e o conflito PEC do Orçamento X Orçamento Secreto, com a chantagem do presidente da Câmara, um canalha da altitude negativa de um Eduardo Cunha. Em ambos os casos, diversas vezes sinalizou-se que Lula teria capitulado antes mesmo de assumir. Ora faltava representatividade no ministério, ora o PT apoiava o Orçamento Secreto, ora havia PT demais no ministério, ora a PEC estava sendo desidratada…
Pois nada disso se confirmou, mas em todos os casos o resultado final foi fruto de uma negociação árdua aliada a um cálculo político e pressão popular. O Lula soube esperar o STF sem piscar e ver o Lira perder suas cartas sozinho, e o ministério afinal tem quase tudo de bom e encontrou lugares para quase todos, incluindo um equilíbrio tenso Tebet Haddad que, em última instância, torna o Lula o poder moderador da Economia, e alguém duvida que não era isso que ele queria?
Mas tudo isso se reconfigura, ou transfigura, com a Frente Ampla que subiu a rampa, explicitando a serviço de quem está a outra Frente Ampla. A conjugação destas duas frentes será o que moverá este governo. Isto exigirá de nós todos duas providências simultâneas e até certo ponto opostas: sofrear nossas expectativas e manter a pressão. Depois de 4 anos sem soltar a mão de ninguém tem gente ansiosa para soltar umas e outras mãos. A má notícia é que não, não é para largar, porque agora é que começou a reconstrução gigantesca que é necessária. E mais, já começou o jogo de puxa-empurra para decidir para que lado ir, todos de mãos dadas. E vai ser assim nós próximos 4 anos. A boa notícia é que isso pode dar certo.
Este governo vai ser feito assim. Quem o considerar traidor por abrigar seus desafetos não entendeu o conceito de Frente Ampla. E vai ser preciso manter a pressão cotidiana para assegurar que a outra Frente Ampla, tão linda na foto, seja realmente a que determine os rumos do país. O equilíbrio de representatividade entre estas duas frentes determinará nosso destino como país, e exigirá de nós muita maturidade política aliada à pressão que este governo quer e precisa de nós para manter o prumo. Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas, dizia o Drummond. E puxando para o nosso lado, dando ao Lula espaço para moderar — e avançar.