Sobre analfabetismo funcional
Analfabetos funcionais, disse Olavo de Carvalho da comitiva do PSL que foi á China. Analfabetos funcionais, diz ele de praticamente todo mundo, de seus adversários à esquerda e à direita e de seus discípulos. Olavo parece ter uma obsessão com o assunto analfabetismo funcional quase tão grande quanto com sexo anal e outras liberdades sexuais. Mas o que me parece interessante neste seu estilo de desqualificação é que não só, à sua maneira enviesada, na maior parte das vezes ele tem razão, como também ele é hoje o maior beneficiário desta condição geral.
Antes de mais nada, cumpre lembrar que analfabetismo funcional não é o que ele afirma que é a torto e a direito. Analfabetismo funcional tem definição oficial e significa a incapacidade de entender textos muito simples. Aquilo a que o Olavo se refere tem outro nome. A maior parte das pessoas que ele quer ofender, com exceção da maior parte de seus críticos à esquerda e do Reinaldo Azevedo, é na verdade subletrada, ou seja, tem uma formação que lhe permite entender questões simples. O problema são as outras…
O PT já foi muito criticado pela opção que fez pela inserção pelo consumo no lugar de uma revolução pela educação. É um falso dilema, em se tratando de um governo que abriu inúmeras universidades e ampliou tremendamente o acesso ao ensino superior. No fundo, o alastramento do fenômeno dos semiletrados tem realmente a ver com isto, mas tem raízes mais amplas. Durante os anos 00, jornais populares foram criados, ondas musicais encontraram novos públicos por meio do funk, sertanejo e outros. E uma parcela enorme da população alcançou uma formação inédita. Mas o ponto não é bem este, e sim achar que esta formação, universitária ou mais que isso, forma intelectuais. Ocorre que ter conhecimento ou informação é muito diferente de saber lidar e processar conhecimento e informação.
E foi nesta esparrela que caímos. A onda de desinformação orquestrada por meio de redes sociais que elegeu o governo atual encontrou terreno plano para avançar na população semiletrada que foi convencida de que a corrupção tinha causas não apenas morais, mas ideológicas. E da mesma forma, Olavo de Carvalho ampliou seu público e sua corte de seguidores à custa de jovens em início de formação, ainda sem capacidade de avaliar a ratoeira em que se metiam, e que passaram à condição de repetidores da torrente de sofismas que o mentor prega corresponder a uma formação alternativa à Academia.
E aí há um ponto importante, que é o ódio ao conhecimento constituído. A teoria amalucada do marxismo cultural é uma forma de demonizar praticamente toda a cultura alheia a determinados objetivos políticos, mas ela vem no bojo de um anti-cientificismo que se materializa em Criacionismos, Terraplanismos e que tais. Este é o grande ato falho do subletrado e o trunfo de Olavo. Ele não se conforma com a compartimentação e especialização do conhecimento, e com a noção de que este é multifacetado. Sua atitude, copiada por seus apoiadores, é a reação da ignorância e desemboca num mediavalismo similar aos julgadores de Galileu, querendo fazer todo o saber retornar a um fundamentalismo. Trata-se de um ódio ao saber que não se pode controlar - ou seja, todo ele. E como corolário, um mal disfarçado elogio da ignorância. É isto que explica o apoio do auto-apregoado filósofo, a Bolsonaro, um subletrado em estado bruto. O ideal olavista não é um conhecimento alternativo, mas a sua destruição apenas.
E não há melhor sintoma disto, em termos pessoais, que a revelação feita por sua filha de que ela e os irmãos foram retirados da escola por Olavo, mas não receberam nenhuma educação alternativa. Simplesmente permaneceram analfabetos até a adolescência, numa situação típica de abandono intelectual, prevista em lei como crime. Ela acabou aprendendo a ler no Mobral graças a uma tia, anos depois. Olavo fez com os filhos o que faz com seus seguidores, tratou de, sob sua tutela, mantê-los ignorantes, subletrados, ou, no seu dizer, analfabetos funcionais. Este é o ideal de Brasil que ele defende, cheio de analfabetos funcionais, para que a desinformação possa ser instrumento de governo como foi de campanha, e não menos importante, para que ele possa ofender todos à sua volta. O problema desta premissa é que, uma vez no governo, os analfabetos funcionais podem meter os pés pelas mãos. Parece que já é o que está acontecendo, e que deixou Olavo irritado. Ele que se prepare. Seus pupilos ainda vão aprontar altas confusões na Sessão da Tarde, e a esta altura é um pouco tarde para ele se dissociar deles. Toma, Olavo, que os analfabetos funcionais são seus.