Sobre a midia contra o neofascismo
Temos uma boa notícia neste momento decisivo para a democracia mundial: Na hora H, há uma mobilização emergencial tanto dos meios de comunicação quanto das redes sociais para deter a enxurrada de mentiras que tem sido a arma principal do neofascismo populista.
Lembremos que, quando o Trump foi eleito, houve um mea culpa tardio da midia tradicional. Ela se deu conta de que havia sido usada. Trump divulgava mentiras numa velocidade muito superior à sua capacidade de apuração. O resultado é que ela divulgava as mentiras, e só depois vinha corrigir a informação, o que a deixava sempre mal na fita e não conseguia impedir as mentiras de se propagarem, já que a correção sempre tem menos repercussão. Quanto às redes sociais, nem preciso lembrar o quanto elas foram o motor principal de divulgação das mentiras e passaram anos tentando se eximir da responsabilidade.
Por agora, nesta hora emergencial em que o candidato em vias de ser derrotado arma uma tentativa de reviravolta à base de mais mentiras do que nunca, há uma ação coincidente em todas as frentes: o discurso de Trump em que ele tenta melar o processo eleitoral inteiro foi cortado no meio pelas três principais redes de TV, que se recusaram a primeiro transmitir para depois corrigir: fizeram isto em tempo real e impediram a transmissão de saída. As principais manchetes dos jornais vão pelo mesmo caminho: chega de dar palanque grátis à autoridade.
Note-se que isto, para a imprensa tradicional, não é um caminho fácil, não por desonestidade, mas porque a busca da informação na autoridade é um caminho natural. É mais fácil perguntar sobre crimes na delegacia que entre os bandidos, mas assim só se ouve a versão da polícia… da mesma forma, romper o padrão de buscar a informação de governo (das eleições, no caso) no governo requer um enorme esforço, que é o que está sendo feito agora.
Da mesma forma, as redes sociais deixaram de lado a falsa imparcialidade que servia de pretexto para não se comprometerem com nada além de seus lucros. O Twitter de Trump e da deputada recém-eleita defensora do QAnon tem sido um festival de avisos de fake news. O Twitter também baniu o Bannon (trocadilho necessário), mentor espiritual dos infernos deste neofascismo, e o YouTube apagou o vídeo em que ele defendia decapitar o secretário de saúde dos EUA (isso mesmo); O Facebook apagou uma comunidade recém-formada pró-Trump que em 40 horas já tinha 360 mil membros, por violar o regulamento da rede (imagino o que estavam defendendo). Até mesmo o TikTok, com mais atraso devido à inexperiência no assunto, está agindo contra a propagação de mentiras — ou vocês acham que ele não seria usado pelos fascistas?
Ou seja, há um movimento conjunto, mesmo que não coordenado, no sentido de deter a onda fascista. Que tenha se dado no instante em que o perigo de a democracia dos EUA se desmoronar com uma eleição invalidada por gritos histéricos e amaças, promovendo a possibilidade de uma queda de dominó mundo afora, é simultaneamente uma má (porque esperaram tanto?) e uma boa notícia. Espero sinceramente que esta ação emergencial se converta em novos parâmetros de jornalismo e de gerenciamento das redes, mais sólidos e consequentes para a necessidade destes novos tempos.