Sobre a maldita filosofia

Túlio Ceci Villaça
2 min readApr 28, 2019

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Quando trabalhei como arte-educador no Centro Cultural Banco do Brasil, tínhamos a piada recorrente de dizer que, por mais que atuássemos bem, nunca escaparíamos da educação bancária — não o modelo descrito pelo Paulo Freire em que o professor deposita o conhecimento na cabeça do aluno e pronto, mas o bancário mesmo — afinal, trabalhávamos num Banco…

Lembro disso com a ameaça de desinvestir e descontinuar (eufemismos de mercado, bem a propósito) nos cursos públicos de humanas. Pois a visão bancária do Freire é a que explica perfeitamente esta intenção. Bolsonaro não tem a menor ideia do que é uma Universidade, nem para que serve. Universidades foram criadas há alguns séculos para a preservação e desenvolvimento do conhecimento humano. Formar estudantes é apenas uma de suas atribuições, e ensinar um ofício é apenas um de seus objetivos — importante, sem dúvida, mas é a ponta de um processo que não existe sem os passos anteriores de pesquisa e desenvolvimento.

Bolsonaro não sabe diferenciar uma Universidade de um curso técnico, e tem seus motivos, já que a maior parte de nossas faculdades não passa mesmo de cursos técnicos (parêntesis para dizer que o PT participou disso, não sei se poderia fazer melhor, mas foi o que fez), e mesmo grande parte dos cursos superiores de exatas são também cursos técnicos blaster. Medicina e veterinária, por exemplo, citados por ele. Seu ideal é formado por profissionais autômatos, que recebam a educação bancária e a apliquem, sem perguntas. E sem se meter em política, como serão adestrados desde o Ensino Fundamental.

O que o Bolsonaro não consegue enxergar é que os médicos aplicam técnicas graças a descobertas feitas por pesquisadores do curso inútil de biologia e a visão da Medicina mudou e melhorou ao longo das décadas graças à antropologia, à sociologia, à filosofia. Na verdade, Bolsonaro não sabe que grande parte do que ele pensa de um regime de governo já estava previsto na República de Platão — governo da aristocracia, a democracia é uma degeneração, poetas são subversivos, fora com eles! Bolsonaro não tem a menor ideia de que seu pensamento é regido por filósofos — não astrólogos, filósofos mesmo. Como costuma acontecer, ele odeia o que não consegue entender. Aliás, assim como o astrólogo, que parece entender em suas miscelâneas e diatribes, mas troca tudo é enrola seus alunos há anos.

A República é um dos livros que mais me apavorou na vida, mais que 1984, porque é real. Bolsonaro certamente não é capaz de lê-lo nas é seu fruto inconsciente. Platão diz que tudo é questão de poder e força, e verdade e conhecimento são fraquezas. Bolsonaro aprendeu isso sem saber porque não foi ensinado a perguntar por que, e se tornou um autômato de reprodução de pensamento. Ele é uma vítima do sistema educacional bancário estabelecido pelo militarismo. Bolsonaro é a vitória de Esparta sobre Atenas, e seu guia é um novo sofista. Precisamos de mais e melhores filósofos contra eles. Já foram derrotados uma vez, há 2500 anos. Está na hora de serem de novo.

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Túlio Ceci Villaça
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