Sobre a lenda da inteligência policial

Túlio Ceci Villaça
3 min readMay 26, 2022

--

A chacina na Vila Cruzeiro me lembrou uma história sobre o que é inteligência policial. Inteligência de verdade.

Nos idos de 2002, Garotinho era o governador do Rio de Janeiro. Não podia mais se reeleger e queria ser presidente, então sua mulher, Rosinha, se candidatou. Por isso, ele precisava sair do cargo nove meses antes. E sua vice era Benedita da Silva.

Eu sei, eu sei, as alianças do PT no estado, que quase acabaram com o partido por aqui. Um horror. Mas o fato é que a Benedita era a vice, brigada com o titular quase desde o dia da posse. Mas para eleger Rosinha, não havia jeito, ele precisaria entregar o governo do estado a ela, e assim fez.

E então Benedita tomou uma providência com relação à violência no Rio, que já era enorme e andava descontrolada (talvez não como a de hoje, mas que iria imaginar?): Comprou um dirigível.

Sim, um dirigível. Com telescópios. Nada de helicópteros sobrevoando ameaçadoramente as comunidades, muito menos atirando para baixo. Um dirigível que voava acima do alcance dos tiros dos bandidos, e podia vigiá-los de cima. A novidade foi saudada com incredulidade e um bocado de sarcasmo, mas em poucas semanas ficou claro o quanto era ameaçador para os traficantes, que ao verem o “zepelim”, corriam a se esconder.

E assim foram tendo seus trajetos e seus esconderijos descobertos e anotados. Até que em setembro, com sete meses de governo e depois de três meses de investigações, foi preso Elias Maluco, um dos maiores chefes do tráfico carioca, responsável pela morte do jornalista Tim Lopes. A Operação Sufoco, como foi chamada, cercou o Complexo do Alemão por três dias, com quase 800 policiais, até encontrar Elias desarmado. Nem um só tiro foi disparado em toda a operação.

Mesmo assim, Benedita não foi eleita. No dia da eleição, todas as Igrejas Universais do Rio fizeram um culto especial de que todas as mulheres saíram com um rosa na mão. Rosinha se elegeu e a primeira providência que tomou foi desativar o dirigível. Meses depois, com a violência novamente descontrolada, nomeou o marido secretário de Segurança, e ele prometeu acabar com a violência em seis meses. Os seis meses passaram e ele deixou o cargo.

A polícia do Rio não foi menos violenta na gestão da Benedita, e nem se imaginaria ser possível mudar muita coisa em nove meses de gestão. Mas provou ser capaz de ao menos fazer algo com a tão mencionada inteligência policial. Hoje, quando ela usa esta expressão em ações genocidas que envolve CORE, PM, PC e até a Polícia Rodoviária (o que diabos eles estavam fazendo na Vila Cruzeiro?), é possível pensar em muitas coisas: vingança por não pagamento de arrego, limpeza do tráfico para entrada da milícia, até mesmo vontade de matar pura e simples. Só não é possível pensar em inteligência. A não ser que seja a inteligência dos psicopatas.

Mas a experiência do dirigível — um ovo de colombo comparável às câmeras nos uniformes hoje — me deixa com a esperança de que, eleito um governo não psicopata, seja possível, se não humanizar uma instituição criada para manter os pobres e pretos longe dos ricos, ao menos impedi-la de matá-los.

--

--

Túlio Ceci Villaça
Túlio Ceci Villaça

No responses yet