Sobre a inépcia fascista

Túlio Ceci Villaça
4 min readMar 28, 2019

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Há quem diga que o governo Bolsonaro está desmanchando. Eu discordo. O governo Bolsonaro nunca existiu, nunca começou. Uma desconexão absoluta de pensamento entre os diversos setores do governo, agravada pela ação imprevisível e sempre deletéria do próprio presidente, impede toda e qualquer iniciativa de ser tomada e, caso tomada, de ir à frente. Estes dois elementos estão transformando o que se anunciou como uma ascensão ameaçadora do fascismo em uma comédia pastelão, daquelas com trombadas, tortas na cara e muita grossura, um governo inviável no nascedouro. É deles que quero tratar.

Vamos então ao primeiro e mais evidente elemento, o próprio presidente, um membro do baixo clero de vida inteira, habituado a discursos bombásticos porém totalmente desarticulados (“o que é articulação?”), e zero de ação efetiva, como projetos aprovados. Sua campanha foi baseada em bravatas e mentiras, e foi suficiente, num estado geral de divisão e rancor, e potencializada por uma rede de comunicação subterrânea e em grande parte ilegal, para conquistar o fanatismo de alguns e o voto de confiança de muitos. Sua intenção de agir durante todo o governo como se estivesse ainda em campanha já está mais que comprovada. Ele vai continuar lançando polêmicas e agindo desvairadamente enquanto estiver no cargo, e depois que sair também. No que depender dele, nada além disso vai acontecer. Restam então as pessoas à sua volta. Por que elas não conseguem agir positivamente?

A resposta está na configuração dos grupos de apoio a Bolsonaro durante a campanha. O que o levou ao governo, dando à população o respaldo para confiar nele, foi a aliança entre três forças que eventualmente se interpenetram: o mercado, os militares e as forças de propaganda fascista que foram centralizadas na figura de Olavo de Carvalho. Os dois primeiros são conhecidos, assim como suas forças de pressão. O terceiro é novidade, e se organiza de forma muito diferente. Este, que foi um dos maiores responsáveis pela eleição de Bolsonaro ao espalhar as noções distorcidas de ideologia de gênero, marxismo cultural e outras, fazendo-as chegarem, simplificadas até a forma de memes, até aos eleitores mais iletrados, esta mesma força está entrando em choque direto com as demais, e impedindo a ação até mesmo da porção mais burocrática do governo, que poderia avançar em alguma de suas propostas.

Isto se dá porque as forças de propaganda são baseadas no radicalismo mais extremo e fora da realidade, esta foi sua força na campanha e continua sendo agora. Os fascistas que apoiaram o governo agora querem que ele seja, ora, fascista, mas fascista em termos reais. Nada de negociação, nada de ceder em nenhum ponto. Além disso, a característica totalitária do expurgo aparece diante de qualquer divergência, e apoiadores de campanha são rifados e linchados publicamente, assim como adversários são ofendidos e ameaçados. Não há meio termo, e com isso as forças que devem lidar com o governo em alguma instância, ou aderem integralmente sem fazer perguntas, ou se tornam inimigos. E com isso, o STF, o Congresso, os próprios militares aliados, todos se tornam inimigos instantâneos ao ponderarem sobre a pulsão de morte da turba fascista.

O resultado prático desta pressão violenta e sem qualquer escrúpulo, feita em geral pela internet (mas não só), é que toda formulação que não seja estritamente aprovada por eles é bombardeada sem piedade, e o governo não consegue lhes dizer não, já que boa parte da máquina de propaganda subterrânea que vem desde a campanha está ativa, operante, e nas mãos deles. Não pode dizer não, mas também não tem como dizer sim, pois suas propostas são ilegais em boa parte e impossíveis em outra parte, além de dependerem dos demais poderes da República.

Assim, o governo gira no mesmo lugar, fazendo e desfazendo as mesmas coisas sem avançar: assessores já escolhidos são descartados, propostas são desidratadas antes mesmo de irem ao Congresso, a bancada do partido do governo briga internamente o tempo todo, ministérios e estatais ficam paralisados sem diretrizes de ação. A briga de foice no escuro que ocorre no Ministério da Educação é a mais barulhenta e pública, mas a troca de desaforos entre Bolsonaro e Rodrigo Maia tem a mesma raiz, e o mesmo ocorre em quase todas as instâncias do governo. Ele não pode ceder para avançar, e não pode avançar sem ceder. Então fica parado, enquanto tudo desmorona à sua volta, e só pode agir em pontos sem a menor importância, como o ministro da justiça desonerar cigarros, ou criando mais polêmicas como a comemoração do Golpe (e mesmo nessa houve um recuo parcial).

Não há solução à vista para esta situação. O governo se pôs nas mãos dos radicais alegremente, e assegurou sua eleição graças a eles e sua máquina de comunicação, e agora está emparedado entre ela e a vida real. Que vai vencer, por óbvio, porque sempre vence, e já está agindo, quando a Câmara aprova medidas que põem uma camisa de força no governo (expressão bem apropriada), surrando-o seguidamente, ou o STF autoriza investigações sobre o filho senador do presidente, ou quando a mesma imprensa que foi tão tolerante com suas manifestações autoritárias se volta contra ele, ou quando a bolsa cai e o dólar sobe com o mercado perdendo a confiança em quem apoiou… O governo Bolsonaro está projetando a tempestade perfeita contra si próprio, e pode apenas escolher de que lado virão os raios. Porém, de fato, o governo, com 100 dias, é um cadáver insepulto. E natimorto.

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Túlio Ceci Villaça
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