Sobre a França e aqui
Estou acompanhando as eleições na França com atenção e preocupação porque, queiramos ou não, os ventos que sopram nos EUA e Europa cedo ou tarde ventam aqui, como sabemos, podendo causar a destruição de um vendaval, como estão atualmente causando. E há algumas coisas acontecendo lá que, mutatis mutandis, podem vir a se aplicar aqui.
Primeiro, o fato de a extrema direita lá, a cada uma das três últimas eleições, ter chegado mais perto. Tudo indica que esta vez ainda não será a que ela vencerá, mas a normalização aliada aos banhos de loja sucessivos (em Paris é mais fácil o banho de loja…) torna cada vez mais difícil a formação do que eles chamam de cordon sanitaire, ou seja, a recusa de todos os partidos de se juntarem a um deles — no caso, o fascista de Le Pen.
Por sinal que o partido mais à esquerda não desbancou a extrema direita no segundo turno por muito pouco, porque dois outros partidos de esquerda recusaram se aliar a ele no primeiro turno… assim como um partido ainda mais à direita que o de Le Pen ficou em quarto, com uma votação pequena que chegou a ser ridicularizada, sem se levar em conta que seus votos todos se juntaram ao outro.
Complete-se o quadro com o candidato do partido de esquerda, fora do segundo turno, imediatamente declarando “nenhum voto à extrema direita”, mas recusou-se a apoiar o atual presidente, um liberaloide — porém ainda assim diferente do fascismo chanel de Le Pen.
Ora, o que temos por nossa vez aqui? Temos um candidato de extrema direita cuja saída do páreo ainda antes da eleição já conduziu seus votos para o fascista-mor; uma divisão dos partidos de esquerda que, se lá impediu a chegada ao segundo turno, aqui pode não apenas impedir uma vitória no primeiro, mas provocar uma recusa de seus eleitores em apoiar o candidato de esquerda que passar; e uma normalização diária do fascismo, aqui turbinada pela caneta na mão e por meios de comunicação e redes sociais cúmplices de crimes, abastecidos por verbas de publicidade. E a dificuldade de estabelecer o cordão sanitário em torno do fascismo, mesmo que este não faça a questão de banhos de loja, ao contrário, chafurde todo dia na lama.
Há, sim, uma diferença fundamental: aqui os fascistas já estão no poder. Diferença para pior, mas que pode ser a diferença a nosso favor aqui. Pois lá, quem vota na extrema direita é quem elegeu o fascismo aqui, o interior e os mais pobres. Que aqui já sofrem as consequências deste voto. Ainda assim, tudo indica que o fascismo não ascenderá lá, ainda. Aqui, assisto meio sem ânimo as discussões que não parecem levar a lado nenhum e a oposição ao fascismo se digladiando internamente, condenando em outros as alianças que gostaria de fazer e confundindo criticar com forçar simetrias inaceitáveis, que só servem para — adivinhem — normalizar o fascismo real.
Da minha parte, não tenho mais a menor preocupação com Moro e o MBL, eles são carne queimada na fogueira do fascismo, não me dou nem ao trabalho de comemorar sua queda. Não é destas figuras patéticas que vem o perigo — é de outras figuras patéticas. E contra elas, tenho oscilado entre a impressão de que o tempo está a nosso favor e a de que estamos perdendo tempo. Talvez sejam as duas coisas.
eiramos ou não, os ventos que sopram nos EUA e Europa cedo ou tarde ventam aqui, como sabemos, podendo causar a destruição de um vendaval, como estão atualmente causando. E há algumas coisas acontecendo lá que, mutatis mutandis, podem vir a se aplicar aqui.
Primeiro, o fato de a extrema direita lá, a cada uma das três últimas eleições, ter chegado mais perto. Tudo indica que esta vez ainda não será a que ela vencerá, mas a normalização aliada aos banhos de loja sucessivos (em Paris é mais fácil o banho de loja…) torna cada vez mais difícil a formação do que eles chamam de cordon sanitaire, ou seja, a recusa de todos os partidos de se juntarem a um deles — no caso, o fascista de Le Pen.
Por sinal que o partido mais à esquerda não desbancou a extrema direita no segundo turno por muito pouco, porque dois outros partidos de esquerda recusaram se aliar a ele no primeiro turno… assim como um partido ainda mais à direita que o de Le Pen ficou em quarto, com uma votação pequena que chegou a ser ridicularizada, sem se levar em conta que seus votos todos se juntaram ao outro.
Complete-se o quadro com o candidato do partido de esquerda, fora do segundo turno, imediatamente declarando “nenhum voto à extrema direita”, mas recusou-se a apoiar o atual presidente, um liberaloide — porém ainda assim diferente do fascismo chanel de Le Pen.
Ora, o que temos por nossa vez aqui? Temos um candidato de extrema direita cuja saída do páreo ainda antes da eleição já conduziu seus votos para o fascista-mor; uma divisão dos partidos de esquerda que, se lá impediu a chegada ao segundo turno, aqui pode não apenas impedir uma vitória no primeiro, mas provocar uma recusa de seus eleitores em apoiar o candidato de esquerda que passar; e uma normalização diária do fascismo, aqui turbinada pela caneta na mão e por meios de comunicação e redes sociais cúmplices de crimes, abastecidos por verbas de publicidade. E a dificuldade de estabelecer o cordão sanitário em torno do fascismo, mesmo que este não faça a questão de banhos de loja, ao contrário, chafurde todo dia na lama.
Há, sim, uma diferença fundamental: aqui os fascistas já estão no poder. Diferença para pior, mas que pode ser a diferença a nosso favor aqui. Pois lá, quem vota na extrema direita é quem elegeu o fascismo aqui, o interior e os mais pobres. Que aqui já sofrem as consequências deste voto. Ainda assim, tudo indica que o fascismo não ascenderá lá, ainda. Aqui, assisto meio sem ânimo as discussões que não parecem levar a lado nenhum e a oposição ao fascismo se digladiando internamente, condenando em outros as alianças que gostaria de fazer e confundindo criticar com forçar simetrias inaceitáveis, que só servem para — adivinhem — normalizar o fascismo real.
Da minha parte, não tenho mais a menor preocupação com Moro e o MBL, eles são carne queimada na fogueira do fascismo, não me dou nem ao trabalho de comemorar sua queda. Não é destas figuras patéticas que vem o perigo — é de outras figuras patéticas. E contra elas, tenho oscilado entre a impressão de que o tempo está a nosso favor e a de que estamos perdendo tempo. Talvez sejam as duas coisas.