Sobre a dissonância cognitiva

Túlio Ceci Villaça
3 min readApr 12, 2020

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Só outro dia vi o vídeo do rapaz haitiano avisando o Bolsonaro que ele não é mais presidente. É mesmo impressionante. Havia uma claque de fanáticos, mas eles fizeram silêncio para o rapaz falar, e depois mantiveram o silêncio pré alguns segundos pré terem sido pegos de surpresa, como o próprio Bolsonaro. Eles simplesmente não podiam acreditar. Quando o primeiro “Mas o que é isso?” soa, já é tarde demais.

Vi e fiquei pensando nos dois níveis de dissonância cognitiva naquela cena, do presidente que não sabia de nada (parafraseando a história infantil maravilhosa da Ruth Rocha) e de seus seguidores alucinados. Dissonância cognitiva é um conceito muito subestimado, quem definiu que a espécie humana era racional seguramente tinha uma dissonância cognitiva enorme. O ser humano, na maioria dos casos, decide em que acreditar segundo seus instintos,, necessidades íntima e caráter, e depois fabrica razões, e não o contrário.

E o que se tem hoje é que, depois da instauração de um regime de ódio, em que o conspiracionismo determina o pensamento, voltar atrás é quase impossível para alguns, manter sua crença é questão de honra, custe o que custar. O nível de alucinação dos bolsonaristas está ultrapassando todos os limites, porque é mais fácil para eles radicalizar no absurdo que se render à realidade, é um passo menor. Para quem acreditou na gripezinha e no isolamento vertical, acreditar na cloroquina é fácil, e pedir o Nobel da Paz para o Bolsonaro é a consequência óbvia. E, quanto mais longe se vai, mais difícil fazer o retorno. Depois de pegar a entrada para a Ponte, só em Niterói. Estas pessoas vão se agarrar a qualquer mentira que lhes permita negar seu engano, porque, no instante em que o admitirem, isso lhes trará uma carga de culpa que elas não podem suportar.

E Bolsonaro está mesmo isolado, ele e sua claque, já que ele só admite as notícias boas — boas para ele. Embora as redes sociais abertas estejam tomando providências contra as mentiras deslavadas, o Whatsapp que o elegeu continua a pleno vapor,, assim como a casinha contra asmídias tradicionais. É possível a um bolsonarista viver exclusivamente das notícias vindas das redes bolsonaristas. E tem gente vivendo assim, e concluindo que o vírus chinês é comunista, que governadores, STF, Congresso, ONU e o Papa têm interesse na queda de Bolsonaro para manter o status quo. É possível até ter um parente idoso morto pela Covid e botar a culpa no Mandetta, não no Bolsonaro. Esta acontecendo. Até mesmo os médicos que apoiaram Bolsonaro, e não foram poucos, relutam em admitir o engano. Dói mais que sutura sem anestesia, porque dói na consciência. Melhor não.

Então, isso tudo é parte dizer que, mesmo com milhares de mortos, e mesmo com mortos próximos e queridos, que infelizmente já estão havendo, não esperemos que a ficha caia de uma vez, e nem esqueçamos que os alucinados orgulhosos têm seus entes queridos. Chega de dizer Bem Feito. Não embarquemos nessa de comemorar morte, isto só servirá para razão à dissonância cognitiva alheia, expondo a nossa. Porque nós não somos os racionais aqui, ninguém é. O que podemos então é escolher melhores emoções que a razão justificará. Que não seja o ódio, deste já vimos o resultado.

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