Sobre a comunicação fascista

Túlio Ceci Villaça
3 min readNov 6, 2022

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As manifestações de quarta feira pós-eleição pedindo por um golpe militar tiveram uma utilidade grande. Serviram para fazer com que a bolha fascista se mostrasse em todo o seu esplendor. Todos nós, em alguma medida, tivemos contato com eles ao longo destes últimos anos. Mas vê-los em grandes grupos manifestando suas crenças absurdas, suas alucinações irreais, vê-los acreditando em bando nas mentiras que lhes impingem e bradando-as ao vento foi um espetáculo necessário, a meu ver, para que o país e o novo governo avaliassem bem o tamanho do desafio que será tirar estas pessoas da hipnose em que foram metidas.

Agora estão surgindo diversas reportagens sobre as causas e efeitos do processo de comunicação isolante e alienante a que esta população está submetida. É um sistema gigante que se construiu ao longo de anos. Entre estas pessoas há fascistas por vocação? Claro. Mas a imensa maioria foi capturada, isolada comunicacionalmente de todos os meios que possam trazê-la de volta a realidade e depois bombardeada com mentiras até transformar estas mentiras na realidade alternativa em que vivem.

Isto não é um processo trivial, e aconteceu debaixo dos nosso narizes e com a leniência das autoridades que deviam combatê-lo — para não falar de cumplicidade. Envolve uma quantidade e variedade de meios, não se trata apenas de zap, nem mesmo apenas de internet. Envolve redes sociais, mas também pastores evangélicos, canais de YouTube, rádios (muitas delas evangélicas, mas não só), canais de TV, jornais. JovemPan, TeAtualizei, Gazeta do Povo, Rede Record, Brasil Paralelo, Folha Política. É uma rede de extrema direita que se formou seja por convicção, seja pela perspectiva de ganhar dinheiro. E ganharam muito.

Esta rede precisa ser desmontada. Nem estou falando dos grupos de Whatsapp, eles são insuficientes para isolar as pessoas. Eles só têm sucesso porque o que dizem é respaldado e amplificado por canais em diversas outras mídias, dando a ilusão de verossimilhança às mentiras. É um circuito fechado de comunicação que precisa ser disperso. Esta é a única forma de defascistizar o país, é preciso cortar o tubo que alimenta estas pessoas com mentiras. Só assim elas poderão ser desradicalizadas, voltando ao contato com a realidade.

Mas existem meios para isso. A desmonetização é o primeiro deles. Canais do YouTube foram desmonetizados na reta final do primeiro turno, o que gerou gritos de censura. Outros meios são os que estão sendo usados neste momento contra Carla Zambeli e o rapazinho de Minas, o Nikolas. Os perfis deles de redes sociais foram apagados por ordem do TSE, por estarem questionando as eleições e apoiando os golpistas. É pouco, deveriam perder o mandato, já que questionam o processo em que foram eleitos. Mas é um começo.

Finalmente, a ameaça legal deve servir para coibir preventivamente muitos crimes. A Jovem Pan, antes da eleição, fingiu estar sendo censurada para se vitimizar, antes mesmo de receber qualquer recomendação. Pois depois da eleição demitiu metade de seus cachorros raivosos chamados comentaristas, e o próprio dono declarou que não ia pagar do bolso dele pelos manifestantes. Edir Macedo, dias depois da eleição, já acenava para Lula num vídeo em que incentivava seus fiéis a perdoá-lo — perdoar Lula, não ele… Nem só de contribuição dos fiéis vive uma rede de TV, mas também da propaganda governamental.

Tudo isso vai ser certamente chamado de caça às bruxas. O nome correto é responsabilização legal. Lula vai ter de cortar um dobrado neste sentido, e nem falei no Twitter, agora depois de Elon Musk demitir metade da empresa e prometer liberar geral. A regulamentação da mídia que ele não fez em seus primeiros mandatos agora urge — não para censurar nem controlar, mas para impedir que a democracia seja ameaçada por quem já chegou a se proclamar o quarto poder, agora em sua versão ampliada pela internet.

Este é o maior desafio deste governo, maior que matar a fome. Distribuir renda Lula já sabe. Enfrentar o fascismo e vencê-lo, ele acabou de conseguir. Agora e hora de devolvê-lo para sua jaula, de onde nunca devia ter saído.

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Túlio Ceci Villaça
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