Sobre a chacina da razão

Túlio Ceci Villaça
2 min readMay 10, 2021

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Já vi diversas tentativas de interpretação da chacina do Jacarezinho, suas causas e antecedentes (da chacina, não dos chacinados), incluindo um encontro entre Bolsonaro e o governador do Rio, ex-vice do juiz ladrão e continuador de sua filosofia homicida, e a possível estratégia de afrontar o STF, como aliás foi feito depois, culpando-o pelos armamentos dos bandidos (em geral desviados da própria polícia).

Mas há um efeito do morticínio que estou assistindo e precisa ser notado. Ele serviu como toque de reunir dos apoiadores do fascismo de forma muito mais efetiva que qualquer das bravatas do presidente. O motivo é simples, foi uma ação efetiva, em vez das ameaças reiteradas e nunca cumpridas de Bolsonaro, e principalmente, foi sangue, foi violência, foi morte, com todos os seus efeitos hipnotizantes e atiçadores, nos dizeres sempre a propósito de Roberto Jefferson, de seus instintos mais primitivos.

Não vi nenhuma hashtag levantada por robôs em defesa dos policiais e ataque aos mortos, servindo ao governo como costuma acontecer com qualquer acontecimentos politizável. Este é um indício de que a chacina não era prevista, com o que concordo. Porém, isto não evitou que comentários de pessoas físicas se espraiassem pelas redes afirmando que a polícia agiu bem, que bandido tem mais é que morrer etc. Provavelmente nos grupos de whatsapp estas teses foram disseminadas a rodo, neles a adaptação do discurso ocorre mais rapidamente. Mas a mobilização de ódio desta vez me pareceu menos orquestrada e mais espontânea que de costume.

E esta é uma péssima notícia, não apenas pelo motivo óbvio, mas porque certamente isto não passou despercebido para os chefes do Gabinete do Ódio. Certamente eles viram a reação emocional de pessoas que pessoalmente nem são bolsonaristas ou andavam deixando de sê-lo, mas foram fustigadas outra vez contra o “pessoal dos Direitos Humanos”. Certamente ficou claro para eles o que é preciso fazer para que estes bezerros perdidos sejam novamente conduzidos ao aprisco de ódio do qual quase escapavam.

O resultado disto é que a pesquisa para o distante 2022 divulgada hoje mostra que a hipotética votação de Bolsonaro num primeiro turno subiu. Sim, a de Lula subiu mais. Sim, Lula o vence no segundo turno. Mas não duvido que os 4 pontos percentuais a mais de Bolsonaro, a despeito das pilhas de cadáveres, o desemprego em massa, a inflação e escuso continuar a lista, tenham ao menos em parte o sangue nos olhos trazido pela chacina.

Gostaria de estar enganado, evidente. Mas estou convencido de que o fascismo não terá o menor escrúpulo em explorar isto à exaustão à medida em que o torniquete apertar em torno de si, com CPIs avançando e eleições se aproximando. Se realmente uma ação terceirizada da polícia foi mais eloquente que dezenas de fanfarronadas do Bolsonaro, tudo será feito para que ela se torne não a porta voz, mas a porta-passagem ao ato do fascismo, jogando o assunto no centro do debate, e da maneira menos racional possível. É bom nos prepararmos para o que pode acontecer.

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Túlio Ceci Villaça
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