Sobre a casa de vidro e nós

Túlio Ceci Villaça
3 min readFeb 7, 2021

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A esta altura acho que todos estão assistindo o BBB, seja diretamente ou por meio dos olhos de outras pessoas, como eu. E a noção de que aquela casa seja um microcosmo do país nunca esteve tão clara, ao menos para mim. Todo o ódio e a segregação que saíram do armário e tomaram o poder há pouco mais de cinco anos estão lá sem nenhum pudor, e lamentavelmente contaminando algumas das pessoas que são habitualmente suas vítimas — coisa que temos visto cotidianamente também. Queria pontuar aqui duas coisas que ainda não li, ou ao menos não li com a clareza que acho importante que tenha:

- Eu conhecia apenas dois dos participantes “famosos” desta edição. Uma era a Conká, pelo seu sucesso musical. O outro era o Lucas Penteado, tanto por eu ter acompanhado atentamente as ocupações estudantis de 2016 quanto por ter assistido o excelente documentário Espero tua (Re)volta, em que Lucas tem uma das vozes protagonistas. Isto faz com que o Lucas seja, de todo mundo dentro daquela casa, a pessoa que fez algo de mais importante e relevante. O movimento de ocupação das escolas contra a política de destruição do Alkmin foi um marco formador para muita gente,

e não só em São Paulo — no Rio também as houve, e muito produtivas.

De tudo o que foi dito lá dentro e chegou a meus ouvidos, nada me pareceu mais revelador da inconsciência e adesão implícita ao fascismo de alguns participantes que a afirmação de que Lucas era um defensor de vagabundos. Que Lucas tenha ficado trancado dentro de uma escola por semanas nas ocupações mas não tenha suportado suas semanas na casa é sintomático: no caso das escolas, os adversários estavam fora e estavam evidentes; aqui, os pretensamente aliados se tornaram inimigos, ignorando que o que serve para destruir preconceitos e ódios é exatamente a educação que, de 20 participantes, só ele se dispôs a defender.

- As estratégias de segregação, desmoralização e ataque psicológico usadas na casa, além das ações combinadas, não são em essência diferentes das usadas nas redes sociais e na vida política do país. Para usar um exemplo da casa, Jean Wyllys, depois de vencer estas estratégias dentro dela foi forçado a sair de outra casa mais importante, o Congresso Nacional, pela aplicação em ponto maior desta mesma tática, chegando às ameaças de morte a ele e sua família.

A comparação com Jean me parece ainda mais adequada ao lembrarmos da sexualidade assumida por Jean e por Lucas. Porém Jean, mais velho e com mais formação, teve mais condições de entender o que acontecia e agir, enquanto Lucas, empurrado inclusive pela oferta de álcool que caracteriza as edições recentes do BBB com o claro objetivo de provocar descontroles que dão audiência, não aguentou o tranco. Outro caso relevante é o da professora Debora Diniz, outra que foi forçada ao exílio por ameaças físicas, e está sendo neste momento vilipendiada com o auxílio do presidente da república, que a acusa de defender a pedofilia e atiça seus cachorros contra ela.

Em suma, o que aconteceu dentro da casa para o país assistir foi proporcional ao que está ocorrendo há alguns anos na vida política do país e vai sendo sucessivamente normalizado, assim como dentro da casa há os que lideram as ações e os que preferem associar-se a elas por convencimento ou conveniência. Os processos do fascismo estão todos lá para reconhecermos. Podemos pedir o fim do programa — eu não o assisto por um motivo -, mas o que ele está espelhando continuará a nos assombrar.

E neste sentido, a decisão do Lucas de sair, que eu absolutamente me recuso a julgar, me soa positiva em termos de comunicação, digamos, e com ela ele passa uma mensagem muito importante, que neste caso vai no sentido oposto a do Jean Wyllys (mas os tempos eram outros): Jean, vencendo a disputa lá dentro, passou uma mensagem de que era possível, com a ação coordenada e democrática, o entendimento mútuo e a educação — sempre ela, vencer o fascismo. Já Lucas recusou-se a compactuar com o jogo a casa, e, saindo, nos advertiu que o jogo de verdade está aqui fora. Gostaria de acreditar que entenderemos isto.

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Túlio Ceci Villaça
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