Sobre 107 imóveis

Túlio Ceci Villaça
2 min readAug 31, 2022

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Uma vez eu comentei que não era por acaso que três dos principais processos contra Lula — do triplex, do sítio em Atibaia e da sede do Instituto Lula — fossem exatamente sobre imóveis, sobre casas. Havia um recado ali, sempre houve, de que não havia lugar para ele, de que ele não era bem vindo. Não era bem vindo onde? Ora, no Brasil — ao menos no Brasil de seus perseguidores.

A disputa de poder num país como o Brasil é, antes de tudo, uma disputa territorial, desde a invasão portuguesa, desde antes disso o Tratado de Tordesilhas. Os imigrantes convidados pelo Império ganharam terras, os negros libertos não. As milícias são uma ocupação territorial. O agro e suas grilagens é enfrentado pelo MST. O MTST e movimentos de ocupação urbana são disputas territoriais. O que está em jogo é quem é dono desta terra e quem é apenas vassalo.

Então não é surpresa que se descubra que o clã Bolsonaro — ele, filhos, irmãos, ex-mulheres, até a mãe nonagenária — tenham comprado mais de cem imóveis nos últimos 30 anos, sendo metade em dinheiro vivo (e quem diz que foi dinheiro vivo são os próprios compradores, pois a informação está nos contratos que eles assinaram). O objetivo de lavar o dinheiro público desviado dos salários dos assessores é evidente, e nem todo foi usado nisto, vide a loja de chocolates do Flávio. Mas são mais de 25 milhões de reais em imóveis.

E aí o envolvimento com a milícia, que domina territórios, constrói prédios sem fiscalização como aquele que desabou em Rio das Pedras ano passado, e com os invasores de terras indígenas para garimpo e desmatamento passa a ser apenas a continuidade de uma linha de ação. São atitudes muito próximas: tomar a território pela ilegalidade, se preciso pela violência, para mim, para os meus familiares, para os mais comparsas. E expulsar dele quem se oponha, seja nas favelas, nas aldeias, na política. Tirar o chão destas pessoas.

E é esta disputa que está acontecendo dia 3. É sobre quem tem lugar neste país. Sobre o direito a ele e a seu chão. O maior contraste entre os cem imóveis dos Bolsonaro não é com o triplex do Lula, que ele foi condenado por visitar. É com a quantidade gigantesca de moradores de rua no Brasil, multiplicada nos últimos anos. A grande maioria deles sequer deverá votar. É por eles que deveríamos votar portanto. Para que eles tenham direito ao chão do país em que vivem, e que lhes é negado. Tirar o chefe do clã da casa que ele ocupa hoje é apenas o primeiro e fundamental passo.

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Túlio Ceci Villaça
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