Por que Moro não cai

Túlio Ceci Villaça
4 min readSep 26, 2019

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Para começar, é preciso fazer uma pequena lista de crimes cometidos por Sérgio Moro. Na Lava Jato podem ser resumidos em quatro categorias: abuso de autoridade pelas conduções coercitivas ilegais e prisões preventivas estendidas indefinidamente; prevaricação, ao adiantar e atrasar processos para atuar politicamente, gravar conversas da Presidente da República, orientar procuradores, promover vazamentos seletivos etc.; formação de quadrilha ao se associar a outros para lucrar com palestras conseguidas graças a sua atuação ilegal; e improbidade administrativa, ao aceitar o cargo de ministro do presidente que ajudou a eleger com sua atuação enviesada. Afora a condenação sem provas de um ex-presidente, a participação na manipulação dos membros do TRF-4, e não menos importante, crime contra o Estado ao divulgar as conversas de Lula e Dilma com o objetivo de desestabilizar o governo.

Isto antes de ser ministro. Já como ministro, ele vazou para o presidente o inquérito sigiloso contra seu filho senador, tentou destruir provas contra si quando o pretenso hacker da VazaJato foi descoberto, tentou aprovar uma lei específica para deportar o jornalista estadunidense que divulgou seus crimes, e segue prevaricando continuamente ao direcionar operações da PF segundo seus objetivos políticos, entre elas uma quebrando o sigilo bancário do jornalista estadunidense e de um deputado federal — ilegalmente, é claro.

Todas as informações do primeiro parágrafo são conhecidas há anos, mas eram negadas com desdém e proteção da imprensa, até serem comprovadas pela VazaJato. A reação a elas já tornou-se folclórica, afirmando simultaneamente que as mensagens são falsas, adulteradas e que não revelam crime nenhum. Afora isso, ele próprio já se desculpou com associações que ofendeu nas gravações, e inúmeros interlocutores delas e jornalistas experientes já as confirmaram. Finalmente, só lhe restou passar a ignorar olimpicamente as revelações, por absoluta falta de resposta a elas. Já os crimes do segundo parágrafo têm saído nos jornais cotidianamente. Então, diante disso tudo, por que raio Moro não cai?

A resposta está numa espécie de silogismo circular. Moro não cai porque estamos numa situação de violação do Estado de Direito, e porque ele é necessário para manter esta situação. Ou seja, ele não cai porque é o responsável por manter um estado de ilegalidade que sustenta a ele próprio. Moro não cai porque é útil, e não sai mesmo se humilhado por Bolsonaro porque sabe que sua única saída é continuar sendo útil e continuar tendo o poder de manter a situação de suspensão do Estado de Direito. Não se imagine que as substituições por Bolsonaro de mandatários do MP ou da PF contrariem Moro, mesmo que sem ser consultado; ora, elas seguem exatamente o mesmo raciocínio que o levou aonde está! O que importa é que, enquanto ele for ministro, tem o poder de estabelecer que a ilegalidade é a lei e se manter salvo. Estando fora, o castelo de cartas vai desabar somente sobre ele.

Moro soube se aproveitar de um sistema político colapsado para subir pisando nos escombros, e se necessário ajudando ativamente a derrubar prédios para transformá-los em degraus. Porém, enquanto era um juiz, além de protegido pela lei como a um Deus, era-o também por estar agindo a favor do estabilishment ao tirar do poder o partido que o estabilishment já aprovara como aliado, mas não queria mais. Dilma parou de cumprir os acordos, e Moro (ao lado de Eduardo Cunha, cuja delação Moro não quer ouvir de jeito nenhum) foi o instrumento desta derrubada. Tinha tudo para ser recompensado. Era o ministro da Justiça já anunciado por pelo menos um candidato conservador, Álvaro Dias, e certamente seria o de Geraldo Alkmin.

Porém, não foi para eles que a ação de Moro abriu as portas, para nenhum representante regular do sistema político e sim para um marginal deste sistema, e disposto a destruí-lo ainda mais, completamente, um fascista. Mas Moro não se importou em ser ministro deste fascista. A partir daí, ele muda de função: não mais a de tirar um partido de esquerda do poder para a instalação dos conservadores, e sim agora de estabelecer as bases legais de sustentação da ilegalidade, a mesma função dos ministros da Justiça do nazismo. Sua proposta de absolvição de policiais que assassinem inocentes alegando medo ou tensão faz parte destes moldes. Mas, principalmente, Moro se dedica a bloquear as investigações contra a família do presidente, realizar operações contra inimigos e eventualmente mostrar ao próprio presidente um pouco de seu pouco poder com uma operação contra um aliado, como que lembrando o estrago que é capaz de fazer quando bem direcionado. E volta o círculo de retroalimentação, em que Moro sustenta o sistema que o sustenta…

Perfeito, não? Na verdade, não. Enquanto Moro estava a serviço do conservadorismo, tinha proteção garantida. Porém, o fascismo ameaça boa parte das instituições que o apoiavam (ou apenas toleravam) e que, na volta do parafuso, começam a reagir contra ele. Assim, a imprensa já não o protege como antes depois de ameaças à (sua) liberdade de expressão; o Congresso disputa poder com um presidente autoritário e passa a usar suas ações ilegais como moeda de troca para preservar seu corporativismo (leia-se tanto as garantias individuais da Constituição quanto a impunidade de alguns de seus membros); o STF que lhe dera no máximo pitos agora ameaça anular suas condenações. E só o que lhe resta é aguentar no lugar enquanto puder, pois ele queimou suas pontes. Moro não cai porque está se segurando desesperadamente no parapeito, porque sabe que não tem paraquedas. Vai continuar fingindo que nada acontece ao seu redor, que os edifícios em torno de si não continuam ruindo, e não mais para lhe servirem de degraus, mas para soterrarem-no.

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