Nervos em frangalhos e licença para matar
Há muitas críticas a fazer na proposta de mudanças legais feita por Sergio Moro. No todo, ela parte do princípio velho e falso de que endurecer penas serve para assustar criminosos, como se a taxa de solução de crimes no Brasil não fosse tão baixa. Mas a grande estrela é a sua tentativa de perdoar policiais que assassinem criminosos sob “surpresa, medo ou violenta emoção”. Esta proposição é reveladora de que o pensamento desde governo não é de manter adversários atemorizados, mas ele próprio se move o tempo todo sob violenta emoção, e não apenas se desculpa por agir assim, mas considera esta a melhor maneira de agir.
Antes de mais nada, lembremos que a licença para a Polícia matar era uma das promessas de campanha do Bolsonaro. O que Moro fez foi apenas tentar estabelecer uma argumentação para a promessa tornar-se realidade. Esta argumentação não difere, como já se lembrou, das defesas de advogados alegando perda temporária da razão para crimes passionais — leia-se homens matando mulheres. E na prática é isto mesmo. A noção de que um policial, que em tese é uma pessoa treinada para enfrentar situações de risco, mate uma pessoa não porque esteja correndo perigo real de vida, mas porque se apavorou, e seja absolvido por isso, é simplesmente uma carta branca. Pois, se hoje a palavra de um policial já vale mais que a de um detido por si só, e se os autos de resistência (ou seja, colocar a arma na mão do assassinado) se multiplicam, imaginemos como será quando bastar a ele alegar: “fui pego de surpresa” ou “estava muito tenso”?
Mas é preciso considerar que esta proposta é um corolário dos valores do novo regime, não apenas pela desvalorização da vida humana, mas também um reflexo do desprezo generalizado pelo conhecimento, pelo estudo, pela ciência, e uma opção pela emoção, o irracional, o místico (em sua pior significação) como guia de ação. Assim como nada na proposta de Moro se refere a melhorias de investigação, planejamento estratégico, melhores condições de trabalho e oda ela trata de endurecer penas e afrouxar procedimentos, de modo a poder condenar mais e mais rápido, há um governo que se elegeu à base de violentas emoções provocadas por uma rede criminosa de comunicação, e que se portou e porta com violenta emoção o tempo todo. Esta é sua norma de ação.
Nada mais natural, e mais ainda tendo a origem policial e militar, portanto, que ele trate de estender o direito de agir assim a toda a corporação. Agir sem planejamento, contradizendo-se, considerando que suas falas exaltadas são suficientes para transformar a realidade, incentivando violência e preconceitos…o tempo inteiro sob emoções violentas e disseminando estas emoções Esta é a forma de agir do regime. Por que ele quereria que sua polícia agisse de forma diferente?