Da Ditadura às milícias, via assessores

Túlio Ceci Villaça
3 min readJan 22, 2019

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Existe uma ligação direta e muito coerente entre o escândalo dos assessores dos Bolsonaro e sua defesa da ditadura. Esta ligação começou a ser desvelada agora, quando se descobriu a extorsão dos salários, mas mas já estava implícita desde o início de sua carreira política. Pois nunca foram segredo nenhuma de suas posições a favor da tortura, nem a defesa dos justiçamentos da PM, nem do Esquadrão da Morte, nem das milícias. E a verdade é que as milícias são filhas dos Esquadrões da Morte, que são filhos de nossa Polícia Militar, que é filha da Ditadura Militar, e todas têm em comum um desprezo pela lei e uma onipotência que as levaram por esta trajetória do Planalto às favelas — uma trajetória que os Bolsonaro vão mostrando que resumem em si mesmos.

As formas como os porões da Ditadura se perpetuaram em nossas delegacias já foi muito — não suficientemente — estudada, passando do combate pretensamente ideológico a comunistas/terroristas à chacina de pretos e pobres. Também os métodos de enforcamentos de pessoas sentadas de uma e autos de resistência de outra têm suas similaridades reconhecidas. Porém, ambos têm algo mais em comum, que é o empecilho de serem obrigados a atuar à margem de si mesmos, uma vez que representam ambos o poder. A tentação de saírem de si mesmos para darem-se liberdade de ação é muito grande. E é isto que acontece com o surgimento dos Esquadrões da Morte, na década de 70/80. É a polícia que não é polícia, que não precisa mais do pretexto nem da amarra da lei para matar. E da mesma forma, as milícias, surgidas no meio policial com o pretexto de combater o tráfico, não tardaram para o substituir.

Portanto, um defensor convicto da tortura e das mortes realizadas na Ditadura não pode deixar de se solidarizar com as milícias. E Bolsonaro manteve-se coerente ao louvar publicamente os Esquadrões da Morte em discurso oficial, afirmando que, enquanto a pena de morte não existisse no Brasil, sua atuação seria bem vinda exercendo-a sem o entrave de juízes. A atuação clandestina do poder violento sempre o atraiu. Por que ele recuaria diante das milícias? Resta investigar a outra ponta da meada, os assessores. E aí se encontra o outro ingrediente, a venalidade. Que foi o que moveu, ao lado da sede de violência, a Ditadura, a PM, Esquadrões e milícias. Afinal, sem levar o seu não adianta, não é? E de preferência às margens das regras que os impedem de ganhar o que merecem.

Então, quando, ao puxar o fio de assessores fantasmas depositando seus salários disfarçadamente, de dois em dois mil, nas contas do clã, quando um ex-policial assessor vai se esconder numa área de milícia para não ter que depôr, quando este ex-policial tem dez mortes nas costas, quando milicianos são homenageados por iniciativa da famiglia, quando a mãe e a mulher de um miliciano são assessoras do clã, e quando se encontra a possibilidade de este fio ser desenrolado até a morte da Marielle, não dá para se espantar muito. Não se trata de implicar o clã em sua morte, ao menos não por enquanto. Trata-se tão somente de reconhecer que nada disso lhes é estranho. Mas não porque seja humano, muito pelo contrário.

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